quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Hold (on to) that thought.

Regressamos a casa. O M. olha para os brinquedos, os "popós", exclama: «Tantos!».


À noite, a minha mãe envia-me uma mensagem: «A maneira como fìca feliz com as coisas... É como tu. Ainda hoje és assim.»

O M. já dorme, agarrado à fralda de pano. Eu agarro-me ao pensamento da minha mãe para conseguir adormecer. PIM!

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

São Pedro de Moel é nosso.


Em S. Pedro de Moel, o tempo é traiçoeiro, mas o Tempo, sempre veloz, sempre apressado, salta o muro e, do outro lado, encosta-se ofegante à parede e abranda. Nos dias perfeitos, como o de ontem, chegamos à praia às 10h, saímos da praia às 20h e de casa dos amigos às 23h. Passam-se, nisto, anos. Demora muito tempo matar saudades.



Os sonhos do M., do V. e da F.



Eu podia ter passado parte da infância aqui. Como o M. vai passar, oferecendo-me assim a possibilidade de viver em S. Pedro «uma segunda e mais perigosa inocência».



Este lugar faz parte da minha geografia. Deixei-o escrito num texto da mais recente edição da revista UP. Se perguntarem por mim nos próximos meses, estou a deslocar-me no ar. Com as raízes por debaixo do asfalto. PIM!




As raízes por debaixo do asfalto
Inês Fonseca Santos

As estradas que gosto de percorrer terminam onde estão os meus amigos. E a minha família, para usar a palavra onde cabe toda a minha condição geográfica. Não tenho, nunca tive, um só destino. Não tenho sequer, para o alcançar, um Chevrolet, como o guiado por Álvaro de Campos nuns versos em que o julgamos em Sintra, quando afinal a vila de majestosos segredos é apenas pretexto para se pisar o lugar imóvel do poema: "na estrada deserta/ (...) parece (...)/ Que sigo por outra estrada, por outro sonho".
Sento-me agora eu ao volante de um carro muito menos moderno e, noutro sonho, certa dos meus 9 anos, sigo pela estrada armadilhada que me aproximava de Santa Eugénia, a aldeia transmontana onde nasceu a minha avó e onde, petiscando cachos de uvas, acenava às gentes na procissão de Santa Bárbara. Por essa estrada que me ensinou a adivinhar as curvas ao Douro, a viagem demorava um dia. Ou assim me parecia. Sem me afligir: eu tinha tempo. Para além da certeza dos meus avós no fim da estrada. Por eles, ora regresso a Trás-os-Montes nos poemas de A. M. Pires Cabral, ora conquisto terreno em direcção aos amigos. Fiz alguns longe. Quase ao mesmo tempo, alguém fez auto-estradas. A A1, misteriosa e inaugural língua de alcatrão, pontua-se de arco-íris quando o destino é o Porto do Manuel António Pina. Dei conta disso no dia em que me despedi do poeta e, agora que ele finge não estar lá, continuo a segui-lo: janto no café Convívio com o Álvaro Magalhães, visito a livraria Papa-Livros para trocar histórias com a Adélia Carvalho e a Marta Madureira.
Os amigos, bem se vê, abrem cruzamentos nas estradas: é ainda no Porto que vejo mover-se "a cidade líquida" da Filipa Leal, poeta que me conduziu até às Quintas de Leitura do Teatro do Campo Alegre, onde o João Gesta instalou a poesia. Já lá levei outros amigos, a quem chego percorrendo a A8, auto-estrada que multiplicou as vias suspeitando da minha pressa de chegar ao lugar onde "[s]ão, de todas, as mais longas árvores,/ as da estrada que liga, pela mata,/ São Pedro de Moel à cidade onde homens fazem vidro, moldes,/ e eu fiz amigos: vidro, moldes/ desta vida de reparar em árvores/ longas e caminhos." Às vezes, em fila indiana pela A2, conduzo os amigos mais para sul: Tróia, Algarve, onde o mar se habituou a obedecer aos mergulhos dos nossos filhos. Outras vezes, repito-lhes a morada lisboeta que já conhecem de cor. E só quando estamos todos em minha casa, o Tejo a sul, o Jardim da Estrela a norte, reparo que das minhas janelas não se avistam estradas.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

"Acende-se um nó na garganta."

"Acende-se um nó na garganta." Assim começa o livro Canto Onde, do meu bom amigo Luís Quintais (ed. Cotovia). Temos ambos filhos pequenos e, sobre eles, trocámos mensagens há uns dias. Numa delas, disse-me: "Não há nada mais bonito do que uma criança: isto é uma banalidade de base, mas é também a única evidência neste mundo onde nada é evidente e onde se lançam bombas para cima de crianças..." Acende-se um nó na garganta, sim.

Também por causa disso - dos luminosos nós - este blogue está em modo intermitente. Porque quem o escreve está em modo intermitente. Entre a possibilidade de espanto e a possibilidade do Horror, entre as conquistas da infância e as perdas da idade adulta. Tudo isto parece, pois, um conjunto de "banalidades de base", mas é um conjunto de evidências "neste mundo onde nada é evidente"... O M. continua, então, sem ver televisão - excepto as vitórias do Benfica. 





Conseguimos sabiamente evitar as derrotas. Desportivas. As outras sucedem-se, acumulam-se, "neste mundo onde nada é evidente", repito, re-cito: Gaza, Iraque, Rússia, Ucrânia, Novo Banco, Banco Mau... O M. desconhece esta linguagem. Sabe apenas uma dessas palavras: "mau". Por causa do lobo. Há dias, assumiu-se seu fã. Do Lobo Mau, sim. "O uôbo, Mãe, o uôbo mau?" e a expressão de quem intui que "há sempre qualquer coisa que está para acontecer". Logo agora tinha que vir um banco usurpar adjectivos.


Banco mau, mãe?! A sério? Então não era um lobo?

Surge então o humor. Se não salva, abre caminhos. Na floresta preferida do Lobo Mau, onde também não se vislumbram evidências. Cá em casa, nunca aprendemos, no entanto, a rir do que se passa no resto do mundo. Temos apenas recursos. Como a curta de animação This Land Is Mine, "a brief history of the land called Israel / Palestine / Canaan / the Levant". Apanhei-a no brilhante Brain Pickings, onde Maria Popova dedica umas linhas a Nina Paley.





É isto o Verão: uma condenação ao resumo. (Não me refiro, como é evidente, à silly season; essa impõe outro tipo de resumo...) Sobretudo os Verões atípicos, os que se aproveitam dessa velha e sábia ilusão que é a pausa, a suspensão, para nos lançarem na armadilha do tempo. 

Eu, por exemplo, estou a aprender a lidar com a energia inesgotável de um bebé 24 horas por dia. Em Agosto, o M. não tem creche; eu e o P. continuamos a ter os nossos "afazeres diurnos", para usar parte de um verso do Pina. Não sei como fazem as pessoas que têm três e quatro filhos. Não sei como fazem e quero saber. Por favor, expliquem-me. Este blogue tem caixa de comentários. Aguardo as vossas receitas mágicas. Preferia que me enviassem poções, já preparadas e prontas a actuar, mas calculo que seja mais simples partilhar receitas.

Chegaram-me ontem... Ontem não, há dois dias talvez; este post está a ser escrito desde Domingo, não há meio de o terminar, o M. acorda, o Continente online chega com mantimentos, os amigos ligam, o trabalho acena ao longe... Dizia: chegaram-me ontem hipóteses no boletim do Baby Center: uma lista de coisas que devo fazer para me manter "sane". Ora, a lista já vem tarde - once insane... - e não me parece que banhos de imersão ou idas ao cabeleireiro me curem. Talvez me deva assumir como dependente. Ou viciada. Dependente da minha criança, viciada na sua autoridade de trazer por casa e pelo coração, na sua energia inesgotável e demolidora para o ser humano comum. Sinto-me em queda nos dias em que as dores de costas se alongam até aos ouvidos e aos dedos dos pés; durmo mais uma hora nessa noite para compensar; no dia seguinte, eis-me novamente capaz de tudo. 

Por isso, nestes dias de ausência, de impossibilidade de escrever neste blogue, de ligar sequer o computador (repito: aguardo poções e receitas mágicas), fingimos que temos realmente tempo. Para o que começa a ganhar a forma de uma fórmula: "as nossas coisas". 

Coisas como, por exemplo, encher balões, encher a casa de balões.



Coisas como vestir os fatos de banho e ir para a praia, crentes de que o vento será brando.



Coisas como espreitar a cidade das nossas janelas. 



E seguir devagar as nuvens a partir do nosso chão.



Coisas como desafiar a luz. Em modo contraluz.



Coisas como fazer festas à nossa andorinha. E aprender a palavra andorinha.


T-shirt Zippy. Calções Zara
Andorinha Bordalo Pinheiro n'A Vida Portuguesa.


Coisas como passear os clássicos.


T-shirt Zippy. Calções Zara. Carrinho Imaginarium.
Ímans/ Bonecos "Magnetic Personalities" 
Platão, Kant, Hegel, Nietzsche, Poe na Philosophers Guild.



Coisas como começar a partilhar segredos e rever o livro que aí vem: A Palavra Perdida, com texto meu e desenhos da Marta Madureira (ed. Arranha-Céus).



Coisas como tirar retratos em livrarias e trazer para casa livros que não podemos de maneira nenhuma lá deixar.




Coisas como ouvir um milhão de vezes as canções de que mais gostamos.







Em suma: coisas como criar as nossas próprias regras do Verão. Enquanto decoramos, para estações e tempos futuros, as dos dois rapazes imaginados por Shaun Tan neste belíssimo álbum editado pela Kalandraka





Parecem-nos regras imprescindíveis para o veraneante de mente sã.




Por que motivo termino com este livro e com estes rapazes?



Porque Agosto, sendo o menos cruel dos meses, é também o mais traiçoeiro. Não será por mal que junta ao sol o vento quente e a morte gelada dos avós, dos amigos, dos gatos. Agosto, note-se, partilha da natureza do Verão, aqui a norte da linha do Equador. E instala-se nessa fenda onde nada é o que parece, "nada é evidente", para regressar ao início deste post. "Para pequenos e grandes", alerta Shaun Tan, a abrir o livro citado. Refere-se não apenas ao seu álbum, como também às regras do Verão e, por maioria de razão, ao próprio Verão. E às palavras de que gostamos, que aprendemos a guardar desde pequenos. "Porque eu sou pequeno, mas os meus bolsos são fundos", conta o Manuel, narrador d'A Palavra Perdida.




"Para pequenos e grandes" são, assim, As regras do Verão, livro que nos acende um nó na memória e, logo depois, um outro na garganta (as ilustrações de Shaun Tan - magníficas e brilhantes de tão dark - são, aliás, um jogo entre a luz e a sombra, entre os tons da revelação e os do apocalipse...). Demonstra-nos que os nossos medos - reais e imaginados - não mudam à medida que crescemos: aumentam. Tal como a nossa certeza de falhar o resgate do mundo e do último dia de verão; tal como o nosso receio de falhar nas tarefas da casa, nas tarefas da maternidade, nas tarefas da vida. E nas da morte. No caminho de casa. Na palavra-chave. 



Eu tenho uma. Uma palavra-chave. Ensinam-ma livros como este de Shaun Tan. É uma palavra-chave aparentemente simples. Tem, contudo, muitos dentes, dentes luminosos, capazes de desfazerem nós. Aviso que não é nada evidente, a minha palavra-chave, e que, se os dentes se posicionarem de modo a conseguirem abrir a porta desse lugar escuro que é um coração, esconde dentro dela outra palavra ainda menos evidente: "amizade". A minha palavra-chave - uma palavra achada - é esta: PARTILHA. 

PIM!

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Ponyo. Ponyo.

Há uns dias, um amigo nosso veio cá jantar com as filhas, a P., de 8 anos, e a R., de 5. São as melhores ajudantes do mundo: arrumaram os brinquedos do M., deram-lhe banho, vestiram-no. Fiquei tão entusiasmada que nesse momento achei que podia ter mais filhos, vários, e que tudo ia correr bem e que íamos todos contribuir para as tarefas da casa e, e... 

Para agradecer a ajuda das meninas, pusemos um dos nossos filmes preferidos. Queríamos partilhar com elas uma das muitas maravilhas criadas por Hayao Miyazaki. Queríamos agradecer-lhes com uma história de amor, de amizade, de partilha, de compreensão - uma história tão bem estruturada que não despreza as pontas soltas, que reconhece o valor que têm para que nunca nos libertemos dela. Chama-se Ponyo.



O P. pôs o filme. As meninas viram uns segundos. Reclamaram. O P. passou o filme da versão japonesa para a versão inglesa. As meninas viram uns segundos. Reclamaram. Os adultos jantaram. O filme continuava a dar. As meninas continuavam a reclamar. Os adultos ocuparam o sofá, ficaram colados à televisão. As meninas abandonaram o sofá, foram brincar com os carrinhos do M.. Os adultos começaram a fazer comentários: "Isto é tão bonito. Olha que lindo. Adoro este filme. Vi-o pela primeira vez no cinema. Já o vi, depois disso, mais 20 vezes. Com os miúdos todos. E sem os miúdos. Tão lindo. Oh, cuidado, Ponyo!". Etc. Etc. As meninas olhavam estarrecidas para nós. Arregalaram os olhos quando os nossos ficaram cheios de lágrimas. Aceitaram a nossa loucura quando, no fim, nos abraçámos por ser um final feliz. O P. perguntou: "Não é lindo?". E a resposta das meninas foi rápida e fulminante: "Só se for para ti". 

Um dia, as meninas vão rir-se com esta história. E não vão acreditar nela. Porque nessa altura já acreditarão em Ponyo. PIM!

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Qui é ito?

Se as partidas são agitadas, os regressos nunca são pacíficos. Mesmo quem os prefere, mesmo quem encontra sempre o caminho de retorno, leva algum tempo a acomodar os pés ao chão rugoso da casa, do lugar que habita. O nosso recente regresso não foi, pois, pacífico, mas foi divertido. Na estrada, descobrimos coisas impossíveis. Como, por exemplo, gente que viaja com muito mais do que nós. Gente, no fundo, muito mais equilibrada do que nós.


                                                                    T-shirt NYPD comprada na rua, 
                                                                    em Nova Iorque. Calções Knot.

E, no entanto, trouxemos connosco quilos e quilos de bagagem. Malas e malas cheias de coisas invisíveis. Que é como quem diz: de palavras. Novas palavras, que ecoam pela casa: "tios", "pimos" ["primos"], "paia" ["praia"], "paxina" ["piscina"]... Novas palavras que se juntam assinalando o princípio do sentido (questionando-o): "Qui é ito?" ["O que é isto?"].




Certa manhã, acordei e fui à cozinha. Na cadeira, estava sentado o F., seguindo, com o olhar, o M., que cirandava por ali. Reparo agora que a palavra "cirandar" devia escrever-se com "s". A Sophia defendeu-o em relação à palavra "dança": escrevê-la com "ç" equivale a sentá-la. Ora, o M. não estava sentado; era o F. quem estava, acompanhando com o olhar o M., no seu circuito inquieto pela cozinha. O M. "sirandava". Ele e a sua curiosidade. "Qui é ito?", perguntava apontando para os electrodomésticos. E o F., na sua pré-adolescente pachorra, respondia: "Um micro-ondas." "Qui é ito?" "Um frigorífico." "Qui é ito?" "Um forno." "Qui é ito?" "Uma torradeira." Quando achava piada à palavra, o M. repetia-a, rindo-se muito: "Fizóri!", "Tuadára!". E "sirandava", "sirandava", o grande conquistador de vocabulário.

Cá em casa, tudo se repete. Ontem, o P. esteve a proteger gavetas e armários. O grande conquistador de vocabulário é também o grande conquistador de interiores. "Qui é ito?" "Ferramentas." "Qui é ito?" "Uma tesoura." "Qui é ito?" "Qui é ito?" "Qui é ito?" Um dia, não vou saber.

Enquanto isso, continuamos a conquistar novos sons. Experimentámos mais um presente do baptizado do M.: um xilofone. Oferecido pelos Tios R., Cat. e C., é um xilofone que merece um milhão de estrelas.



T-shirt Zippy. Shorts Moonkids. Sapatos Livie & Luca (aqui).
Xilofone Decor-Spielzeug (aqui).

Cada cor corresponde a uma nota musical. Enquanto o M. se está a divertir imenso, eu e o P. estamos a (re)aprender imenso. Parece-me justo. É assim o regresso: algo ou alguém nos aguarda, tecendo. PIM! 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Como uma bofetada estragada.


Ser "chata como uma bofetada estragada" por querer registar todos os momentos deles. 


Eu diria apenas "ser ingénua" e por isso é que falho. PIM!