quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Realeza.

Dia de apresentar uma rainha ao M.. 




Bem cedo. Quando as palavras são apenas sons. 




O M., que sempre gostou de tronos.


Foto de David Reis. 


P.S. - Estamos quase de regresso. Só nos falta o mapa da última parte do caminho. PIM!

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Eu sou membro deste clube.

Enquanto espero por Domingo, vou aprendendo com Shaun Tan.

Imagem de Shaun Tan retirada daqui.


"Who would not want to be a member of this club? Originally an editorial illustration for a reading guide supplement, this painting has much to say about the way books can bring different people together without insisting on any kind of uniformity."


Shaun Tan por Shaun Tan no The Guardian. PIM!

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Pistas.

Tenho andado a deixar aqui pistas para se encontrar A Palavra Perdida. Gosto dos aplausos da Filipa Leal na Senhora Clap, gosto que o Luís Quintais se tenha lembrado de Wiitgenstein, gosto da referência no belo Fine Fine Books. Mas a minha pista preferida está escondida dentro de uma história do meu sobrinho António. Está aqui e, mesmo assim, vou transcrevê-la:


O António, um dos primos do Manuel (o do livro e o da vida real) e, por isso, sobrinho de uma das autoras deste livro (a que inventou as palavras), armou-se em detective:
— Tia, acho que te enganaste aqui numa página.
— Foi?! Onde?
— Aqui: o Manuel diz que só tem o nome dos primos, mas depois, nos desenhos, aparece o nome dele.
— Lê lá outra vez, António.
— Ah... Pois... Ele diz que tem também o nome dele... Pois é. Como sou primo, liguei aos nomes dos primos. E pensei que era uma partida e que o nome dele fosse a palavra perdida.
— Então, mas ele diz logo no início que se chama Manuel. Não foi o nome dele que perdeu.
— Mas podia ter perdido entretanto, depois dessa página. Ou não? Nunca perdemos o nosso nome?

Eu continuo à procura de resposta para esta pergunta.

O livro vai ser apresentado pelo Afonso Cruz no domingo, às 17h, na Galeria Monumental. As leituras serão da Filipa Leal




"A Palavra Perdida" é uma homenagem ao Manuel António Pina — meu amigo, amigo da Marta Madureira, amigo do João Paulo Cotrim. Provavelmente, este livro nunca teria sido escrito se eu não fosse leitora do Pina. E, provavelmente, as ilustrações da Marta seriam outras se também ela não fosse leitora do Pina e não tivesse já ilustrado o primeiro livro que o Pina publicou, O País das Pessoas de Pernas Para o Ar (1973). No domingo, 19, dia em que apresentamos em Lisboa "A Palavra Perdida", passam dois anos da morte do nosso amigo, do nosso poeta. Tenho a certeza de que quem conseguir encontrar por ali a palavra perdida vai certamente conseguir avistar por ali o Pina. 


PIM!

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Filmes para os dias de chuva.

Dizem que o vento faz pior do que a chuva: causa mais depressões, deixa-nos mais tristes, leva-nos mais energia. Talvez (e segue a tese pouco ou nada científica) porque, com vento, ainda nos atrevemos a sair — do pijama, de casa. A chuva intimida mais, apela ao recolhimento, insiste connosco (fingindo-se pouco autoritária) para que não nos afastemos demasiado do lugar onde perdemos os guarda-chuvas (toda a gente sabe que, durante o Verão, os guarda-chuvas se reúnem no fundo do armário mais inacessível da casa, conspirando). A chuva, quando passa, dá-nos poças capazes de justificar a existência de pares de galochas. E, quando não passa, instala-nos no sofá a ver filmes destes, do Jérémy Clapin, que o Alex Gozblau ontem partilhou comigo.





E é então que começa a chover dentro de nós. PIM!

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Um novo modo de exclamar PIM!

Há uns meses, a Marta Madureira, minha generosa cúmplice, ofereceu-me este desenho para o PIM!. Passei demasiado tempo a tentar encaixá-lo aqui, de modo a que ficasse perfeito. Mas perfeito já é o desenho. Por isso, não vou esperar mais. De agora em diante, é esta a imagem do PIM!.



Se repararem bem, está aqui tudo o que importa: um P., um I. e um M., que soam a qualquer coisa parecida com uma palavra, da mesma substância que uma palavra; umas rodas que parecem levar este foguetão-carro-peixe-avião em direcção ao espanto que é aquele ponto de exclamação, que são aqueles olhos redondos fitando a exclamação; uma tesoura entre as rodas para que não nos afastemos assim tanto de casa; e umas mãos a segurar uma bola, como quem encesta no I.. Está aqui tudo. Eu vejo. Espero que vocês também. PIM!


OBRIGADA, MARTA!

sábado, 11 de outubro de 2014

Buenos Aires, 2009.

Passei por aqui apenas por causa dos retratos e dos álbuns de família. No meu, está esta fotografia tirada em Dezembro de 2009, em Buenos Aires. Do lado esquerdo, a minha amiga Mafalda; do lado direito, eu.



"Mafalda, não olhes agora, estão a tirar-nos o retrato. Queria apenas abraçar-te, dar-te beijos, agradecer-te os momentos todos que temos passado juntas, dizer-te que te amo amo amo, que por ti passo raias e fronteiras, contar-te que a tua tartaruga, aquela a que deste o nome de Burocracia, ainda está viva e cheia de saúde." PIM!

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Alerta vermelho.

O país está em alerta vermelho. Poucos o sabem. Eu garanto que está. E não tem nada a ver com o tempo. Ou melhor: tem, mas não com o meteorológico. A temperatura continuará amena, a chuva cairá aqui e ali, interrompendo o sol sem grande convicção. O motivo para o alerta vermelho é outro: estão praticamente esgotados os bilhetes para Retrato Falado, uma "peça" do João Fazenda que o Maria Matos acolherá a partir de amanhã e até dia 15. Trata-se, afinal, de uma questão de tempo, do chamado timing. Quem não sair agora a correr para a bilheteira, perde-se, desencontra-se no caminho que leva até ao Jorge (já vou dizer quem ele é). E trata-se também de tempo, deste que está agora mesmo por aqui a passar, que passa e passa e passa à medida que eu escrevo "passa e passa e passa", à medida que vou acrescentando palavras a este texto (notem: eu sou rápida, muito rápida, defendem os meus sobrinhos, que nunca viram ninguém escrever assim no computador, "és veloz, Tia", sou). Enquanto escrevo, enquanto o tempo "passa e passa e passa", há quem esteja a acrescentar fotografias ao álbum de família. A cristalizar o tempo, evitando — ilusoriamente, é certo, mas com teimosa persistência — que o tempo passe e passe e passe. A fixar o rosto, inalterado, na fotografia, revelada no álbum ou na moldura. Escreveu um dia o Manuel António Pina, num poema de que me lembrei ontem quando assisti a um ensaio de Retrato Falado

(...)
À minha volta estilhaça-se
o meu rosto em infinitos espelhos
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
(...)


O nosso próprio rosto — que não é um só, o que autoriza a correcção: os nossos próprios rostos ajudam-nos a compor a história, a nossa história, sem a qual não haverá outra, muito menos a que grafamos com maiúscula. Ou haverá, mas alheia a nós. O que pode ser tão grave quanto nós lhe sermos alheia a ela.

Ora, o Jorge (ei-lo!), o narrador de Retrato Falado, protagonista do texto de Pedro da Silva Martins que o João Fazenda desenha enquanto o ouvimos, ao Jorge, contar a sua história (partes dela, momentos, os que ficaram nos "retratos nas molduras", nos álbuns), o Jorge está preso à memória na mesma medida em que está preso às molduras. Mas, estando, acima de tudo, preso à imaginação (ele precisa de criar fios capazes de ligar um retrato ao outro), o Jorge é necessariamente livre. 



Nisto tudo fui pensando ontem, quando assisti ao ensaio de Retrato Falado. Privilégios de uma fã ancestral que partilhou um livro com o João, o nosso As Coisas (ed. abysmo), que também tinha retratos nas molduras. Aqui, por exemplo:

AS COISAS PARTIDAS

E no entanto não existiam coisas partidas 
nem se avistavam cacos. 
Quando ela te chamava e dizia o teu nome 
ouvia-lo subitamente desprendido.
E tudo se ordenava. 
Nos copos havia whisky para as visitas, 
mazagran para as crianças, caídas aos tombos 
em cima dos sofás, ignorando futuros, esquemas, mapas 
e caminhos. Algumas nem sabiam o teu nome. 
Pouco importava. 
Nas casas onde as coisas em vez de ignoradas 
são coladas perduram fiéis os retratos nas molduras. 
Não fantasmas, visitas. A elas, servem-se bebidas 
em copos remendados.

O tom do whisky, antídoto da memória, 
disfarça os riscos de cola, as tentativas de regressar.



A partir de amanhã, o centro do palco é do João Fazenda. Dá para espreitar os desenhos, o modo como lhes acrescenta fios, traços (narrativas), as minúsculas figuras de papel que coloca debaixo da luz do projector, recortes, papéis, que, mal se deixam iluminar pela luz, ganham, na tela, uma dimensão próxima do real, não fosse a imaginação salvar-nos de novo dessa hipótese de queda na realidade e ampliar ainda mais as figuras, os rostos da família do Jorge, o seu próprio rosto. 




E o Jorge é rapaz para confundir um bigode com uma andorinha. Ou vice-versa. É claro que, neste momento, me lembrei do bigode d'O Senhor Pina, um bigode que voava e que o Álvaro Magalhães fixou no retrato — de palavras — que fez do Menino Manuel (António Pina).

E mais? Mais a música e todo o trabalho de Bruno Humberto, que dá voz, som, ao Jorge. Mais as máquinas inventadas pelo pai do Jorge. Mais os miúdos sentados em almofadas à nossa frente. Mais o termos ali mesmo, ao lado, o João. Esperem, isso já eu disse, mas isso é coisa muito valiosa. Não duvidem. Corram a comprar bilhete. E sorriam, que vos estão a tirar o retrato. PIM!


quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Grandes histórias, mínimas coisas.

Se estou em casa sozinha com o M. e o vejo entretido com brinquedos e livros, aproveito para ligar o computador e responder a mails. Passam-se uns minutos, separo os olhos do ecrã e à minha volta o cenário é o de uma intempérie doméstica. As mais pequenas coisas deixaram-se transferir, impotentes, para os sítios mais improváveis. Aconteceu ontem. Uma pastilha — que ele jura, na sua linguagem miscigenada e pouco fiável, ter encontrado em cima do portátil do P. (como? o que fazia uma pastilha fora da caixa em cima de um computador?...) — a entrar-lhe para a boca e a sair-lhe da boca em segundos. 

- Mãe, qui é ito?! Blergh!

E cospe a pastilha já trincada para cima de mim.



Enquanto apanhava a pastilha e a punha a jeito para a fotografar (o P. tinha que ver a nova conquista), ia fazendo perguntas e dando conselhos. Levanto de novo a cabeça e já ele estava a trincar um pequeno íman que segurava uma fotografia, a abrir a gaveta dos individuais e dos guardanapos, a espalhar tudo pela casa. Estava feliz. Até que a agitação lhe valeu um corte no queixo. Não terá aprendido a lição. Nem eu, que me desdobrava em beijos e conselhos: beijos úteis e conselhos inúteis. Costuma ser ao contrário, no mundo ordenado dos adultos.

Saí passado pouco tempo para jantar em casa de uma amiga. Desci ao Rato a olhar para o chão, coberto de coisas mínimas. Se tivesse dois anos, teria trazido algumas para casa. Coisas mínimas que seriam boas companhias — para a imaginação e para a solidão. Sim: a solidão. Não me venham dizer que a infância não é solitária. Mesmo quando feliz. Uma solidão ágil e segura. Que abre caminho e espaço às coisas mínimas. E às grandes histórias.

Imagem retirada daqui.


Hoje, uma das primeiras coisas (mínimas) que encontrei quando liguei o computador foi a grande e recente história do Serge Bloch. Partilhou-a na sua página do Facebook: podemos espreitar a capa e algumas páginas. La grande histoire d'un petit trait. Talvez o Serge Bloch tenha um M. em casa. Ou talvez tenha mantido intacto o M. que um dia foi. Oh, les petits riens... Que mais importa? PIM! 

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Querer muito # O meu avô. Anos mais tarde.

Talvez já tenha partilhado aqui histórias do meu Avô, talvez já tenha mostrado aqui imagens nossas, talvez já tenha dito aqui que o papel mais precioso que guardo é um minúsculo autógrafo em que ele escreveu, na sua letra tão firme quanto trémula, tão "o que em mim sente está pensando", 

Minha neta Inês, sol da minha vida.



Anos mais tarde, quando o meu Avô morreu, desaprendi uma centena de coisas. Entre elas, contar histórias. Recuperei aos poucos. Questionando sempre: "Com que palavras? E sem que palavras?". 

Anos mais tarde, encontrei um poeta cuja obra se deixava habitar por versos que diziam qualquer coisa parecida com isto, da mesma substância: "Só me faltavas tu para me faltar tudo, / as palavras e o silêncio, sobretudo este."

Anos mais tarde — é sempre anos mais tarde, se repararem, até quando são apenas dias — reaprendi a contar histórias. Nenhuma delas sem o meu Avô. Sobretudo as que não falam dele. Há outras mais claras, como esta que escrevi no seguimento de um programa de rádio que tive, "A História Devida". Pediram-me a minha "história devida". Que é esta:

Come chocolates, pequena

«Come chocolates, pequena» é uma das frases da minha vida. Talvez por ter sido uma das que mais ouvi em criança. Não sabia de onde vinha; ou melhor, sabia o que então fazia sentido saber: vinha do meu avô Zeca, e isso bastava para que a frase soasse bem. Era ele quem a repetia vezes sem conta, tantas quantas aquelas em que me levava pela mão até ao corredor dos chocolates do supermercado da D. Lizete, e juntos ficávamos horas (horas, de facto) a olhar as prateleiras, perdidos entre sombrinhas e losangos Regina, enquanto ele dizia, quase em surdina, como se fosse uma oração, «Come chocolates, pequena».
E eu comia chocolates. Passava os dias a comer chocolates. Quilos de chocolates; de manhã, à tarde, à noite; antes, durante, depois, em vez das refeições. A minha avó revoltava-se; os meus pais não. Apenas porque não imaginavam o que se passava. Não suspeitavam. Nem de nós, nem do pequeno crime em que éramos cúmplices, honrando um princípio que o meu avô repetia em nossa mais que legítima defesa: «Deixem a pequena comer chocolates; mais vale comer chocolates do que não comer nada». E, no entanto, as provas eram irrefutáveis: uma mochila Palmers acabada de chegar de um passeio de Verão com uma grande mancha castanha denunciava a presença abusiva de chocolates na bolsa exterior; as dores de barriga matinais denunciavam que, mais do que odiar o infantário, tinha ocorrido na véspera um consumo manifestamente desequilibrado de chocolate; a antipatia para com os que partilhavam os nossos espaços (Fiat 600, quarto dos brinquedos, cadeirão, despensa) denunciava o receio de que alguém ousasse pedir um dos nossos chocolates.
Até que chegou o dia (mesmo que não tenha tudo acontecido no mesmo dia, sempre me pareceu assim). Chegou o dia em que o meu avô morreu, eu fiquei alérgica a chocolate e comecei a procurar poemas para ler. É certo que o meu avô já me lia poesia, sobretudo Miguel Torga, os volumes do Diário; puxava-me para o colo, acendia um cigarro, eu tirava a prata ao chocolate, ele lia versos soltos. Ali ficávamos entre os nossos vícios, cometendo um crime que era só nosso e que reduz a minha infância ao essencial.
Naquele dia, com a morte, a alergia e a necessidade de procurar poemas, fui expulsa da infância. Descobri um livro da Ática, Poesias de Álvaro de Campos, e fui lendo. «Come chocolates, pequena». Lá estava a frase. E, apesar de nunca mais ter sido a pequena que comia chocolates, percebi então que não só não havia mais metafísica no mundo senão chocolates, como também que não havia mais cúmplices na minha vida senão o avô Zeca.

Anos mais tarde, o P. ofereceu-me chocolates (Regina) e uma pulseira de prata na qual mandara gravar "Come chocolates, pequena". O P. não pronunciou a frase, mandou gravá-la, cumprindo o silêncio. "(...) o silêncio, sobretudo este."



Anos mais tarde, chegou às livrarias um livro da Catarina Sobral titulado "O Meu Avô" (ed. Orfeu Negro). Saí à rua. Queria trazê-lo para casa. E confirmar se aquele Avô podia ser o meu. Podia:



Anos mais tarde, pensei oferecer ao M. este presente de anos (dois anos, em breve), para ele crescer fitando o modo como eu cresci, fitando o lugar onde eu cresci:

Imagem retirada daqui.

Anos mais tarde, passei o testemunho:



É de uma enorme responsabilidade ser o sol de alguém. PIM!

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Promessas.

Prometo que quem não faltar


terá em breve uma agenda assim


um monstro que se alimenta de tempo e de partilhas.

É claro que isto só resulta para algumas pessoas. As que sabem que estão condenadas a perder palavras; as que gostam de procurar palavras. PIM!

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Confiar no diamante.

Há uma semana, partimos para o Fundão a convite da Margarida Gil dos Reis, organizadora (irrepreensível) do Festival Literário da Gardunha, cujo tema é a viagem. Gostei da serra, gostei das pessoas, gostei das conversas, gostei de saber o M. a apanhar castanhas com o P.. 





Casaco Zara. Calças H&M. Ténis Bobux na Organii Bebé.

Na mesa em que participei, "Poéticas da Viagem", com a Filipa Leal, a Catarina Nunes de Almeida e o Ricardo Gil Soeiro, comecei por lembrar Karl Kraus — "Quanto mais de perto olhamos para uma palavra, tanto mais de longe ela nos devolve o olhar." — para, percorrendo os meus livros, chegar ao lugar que se tem feito habitação neles: os espaços fechados, as casas. Terminei, por isso, e acompanhada por Bachelard e por Françoise Minkowska, com as casas que desenhei aos 4, 5 anos. Acrescentando que hoje já só sei desenhar casas com palavras.







Javier Reverte, também em viagem pelo Fundão, apontou, na sua comunicação, um conjunto de regras que devem orientar o escritor-viajante. E mencionou, às tantas, a sua permanente vontade de partir: contou que, se vê um filme ou um documentário que lhe mostram um sítio distante, ainda desconhecido, deseja partir para poder sentir esse lugar. Desse ponto de vista, julgo que sou viajante. Eu quero partir, quero ir sentir esses lugares distantes, mas, uma vez lá, uma vez sentidos os lugares distantes, quero desesperadamente regressar. Regressar a casa. 

Talvez por essa razão as minhas histórias do Fundão, da Gardunha, são as histórias de casa. Todos os dias, ligava à minha mãe, que tem o hábito de partilhar ao pormenor as conversas, as actividades dos meus sobrinhos, o F. e o A.. Num desses dias, julgo que na sexta-feira (era dia de escola, sim, era sexta-feira), chamei os miúdos ao telefone. O A., questionado sobre o fatídico dia de escola, arrumou o assunto:

- Olá, querido, como foi a escola?
- Educativa.

O A. tinha passado o dia a apanhar pedras. Ao que parece, circulou pelo colégio o rumor de que a mãe de um amigo estava com dificuldades financeiras. Rapidamente foi elaborado um plano de resgate: o A. e alguns colegas apanhariam, no recreio, sacos e sacos de pedras. Pedras preciosas. Diamantes. Para oferecer à mãe do amigo.

- Avó, estás a ver esta? Esta deve valer uns 50 cêntimos, vai ajudar imenso. E esta, Avó? Estás a ver? Esta é um diamante, vai resolver o problema.
- Um diamante, querido? 
- Sim, Avó.
- Mas não se apanham diamantes assim no meio da rua.
- Apanham, sim. Não vês? É um diamante. É uma pedra brilhante e pontiaguda. É um diamante.

O A. está a atravessar a fase em que o dinheiro se transforma em tema ou, pelo menos, motivo. E em que não pode perder nenhum comboio. Mal reparou que o irmão estava a escrever um livro, resolveu também ele pegar no papel e na caneta. A história, de um menino chamado Jorge, relata um pesadelo: o Jorge, menino "riquíssimo da silva", sonha que é muito pobre: de repente, vê-se numa casa sem televisão e sem "coisas electrónicas". "Ó MEU DEUS!" 



Já o F., pouco depois de pegar no exemplar d'A Palavra Perdida que lhe ofereci, anunciou-me ao telefone, nessa sexta-feira em que cheguei ao Fundão, que começou a escrever um livro "sobre um rapaz que chega a outro planeta e encontra uma miúda; o rapaz chama-se Pedro". Ontem deu-me a ler o início do livro. Anunciou: "É uma história de ficção científica". Li. E expliquei-lhe que não, que é uma história de amor, que pode haver histórias de amor na "Cidade da Comunidade Interespacial", que é bom que haja histórias de amor nesse lugar distante. 


Fiquei surpreendida ao descobrir que a miúda, cujo nome ele não me tinha anunciado ao telefone, se chama Inês. "(...) era verde, tinha dois rabos de cavalo ou uma coisa do género e uma postura direita." O F. a reescrever o mito. Ou a recriar a sua mitologia pessoal, na qual Pedro e Inês são nomes de tios, de figuras de casa, nomes aos quais ele sempre regressa. "Ou uma coisa do género".


Reparo agora que os meus sobrinhos raramente desenham casas. PIM!

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Sobretudo-Outubro-Sobretudo.

Quando era miúda, dizia Outubro como quem diz Outono. E Outono como quem diz Outubro. Perdia-me depois na rima, repetindo "sobretudo-outubro-sobretudo". Apanhava-me sozinha em casa e ia mudando de sofá à medida que a preguiça se fundia com a melancolia, tornando-se, sem que eu desse conta, sonho. 

Estão 30 graus na rua. Mas cá em casa é Outono, "a estação híbrida", "uma meia estação indecisa", como a define a Rita Taborda Duarte no seu belíssimo Elogio do Outono (ed. o homem do saco & landscapes d'antanho).



T-shirt comprada numa feira em Amesterdão. Jeans H&M
Meias H&M. Ténis Bobux na Organii Bebé.


Julgo que o M. também considera o sofá o melhor sítio para o Outono. Para Outubro. Mesmo quando ambos dispensam o sobretudo. PIM!

P.S. - Tudo isto tem banda sonora.