Há
dias em que precisamos de um abraço.
Há
dias em que fazemos um amigo.
E
dias em que apetece cantar no duche.
Há
dias em que nos apetecia mesmo dormir debaixo de uma grande árvore.
Há
dias reais. Dias irreais. E dias surreais.
São frases do belíssimo e inquietante Um livro para todos os dias, escrito pela Isabel Minhós Martins, ilustrado pelo Bernardo Carvalho e editado pelo Planeta Tangerina. Uso-o, de facto, todos os dias. Como se usa uma camisola interior num dia de neve muito, muito frio. Ou um fato de banho num dia de praia muito, muito quente. Nos últimos dias, quase o decorei de uma ponta a outra, e por ordem (este livro pode ser lido com alguma desordem), porque integra um dos espectáculos da Boca Aberta, projecto do Teatro Nacional D. Maria II que estou a criar com a Maria João Cruz e a Catarina Requeijo e sobre o qual falarei aqui em breve.
Hoje, uso-o para descrever os dias de um outro projecto em que estou envolvida: são dias em que me dão um abraço (até quando acho que não preciso e, afinal, até preciso); dias em que faço amigos; dias em que regresso a casa com vontade de cantar no duche; dias em que me apetece mesmo dormir debaixo de uma árvore (uma árvore do Jardim das Oliveiras, no CCB, quando os miúdos estão a lanchar). São dias reais, porque é do que está a acontecer que falamos; dias irreais, porque falamos de coisas que começaram por existir na imaginação de algumas pessoas e de coisas que continuam a existir apenas na imaginação dessas pessoas; e dias surreais, porque falamos, por exemplo, de pianos que não são (apenas) pianos e onde cabem pequenas bolas brancas e sons que era suposto um piano não fazer. Em suma: há dias de sorte. Como aquele em que a Sofia Cardim, do gabinete de imprensa do CCB, me telefonou para me convidar a mim e ao Pedro (Macedo) para sermos os formadores dos Embaixadores do Festival Big Bang. Eu já conhecia o Big Bang desde a sua primeira edição, era então editora do Diário Câmara Clara e a Filipa Leal fez uma peça sobre o arranque daquilo que se anunciava como um festival europeu de música e aventura para crianças, como um projecto internacional que envolvia cinco parceiros de cinco países diferentes: Zonzo Compagnie (Bélgica), CCB
(Portugal), Stavanger Konserthus (Noruega), Opéra de Lille (França)
e Millenáris (Hungria); só não conhecia o projecto Embaixadores que, em rigor, é uma novidade da edição deste ano. É que o Big Bang tem vindo a crescer, mantendo-se, contudo, "uma aventura de criação musical". Assim o definia António Mega Ferreira, presidente do CCB ao tempo da primeira edição. Eu acrescentaria: e de fruição musical. É, aliás, um dos projectos mais fortes da Fábrica das Artes, hoje dirigida pela incansável Madalena Wallenstein e que, ao longo de mais de uma década, quando ainda se chamava Centro de Pedagogia e Animação, teve à sua frente uma outra incansável Madalena, a Madalena Victorino. Parece-me não ser possível reflectir em Portugal sobre a criação artística para a infância e a juventude e sobre a formação de novos públicos sem considerar a história da Fábrica das Artes, que tanto gosto de visitar — com os sobrinhos, com o meu filho e até sozinha, que isso de começarmos a prestar atenção às criações para a infância apenas quando temos crianças à nossa volta é não apenas uma perda de tempo, como a perda do caminho de regresso a casa, à essência.
Os miúdos mencionados umas linhas acima, os que gosto de ver lanchar estendendo-me debaixo de uma oliveira, são, então, os Embaixadores do Big Bang, dez meninos e meninas com quem me fartei de aprender durante uma semana de Setembro e com quem passarei a próxima. Estão aqui, no spot que o Pedro criou para o festival:
A missão de que eu e o Pedro estamos encarregues é, como se percebe pelo spot, a de os ensinar a comunicar, a divulgar o Big Bang, assinando peças sobre as várias criações que integram o festival, sobre as equipas que o organizam, sobre o público que passa pelo CCB nos dias de Big Bang...
A Carolina, o Diogo, o Gaspar, o Jaime, a Laura, a Maria, o Miguel, o Pedro, o Simão e o Tomás têm entre 8 e 13 anos e já entrevistaram o Filipe Raposo e o António Jorge Gonçalves,
os Dead Combo e a Ainhoa Vidal,
o Paulo Maria Rodrigues e o Pedro Ramos,
o Filipe Faria e o Tiago Matias, do projecto Noa Noa, a Big Band Junior e, claro, a Madalena Wallenstein.
Enquanto um fazia a entrevista, outro segurava na perche, outro fazia o som, outro a câmara, outro assumia as funções de assistente de câmara, outro manejava a claquete... E ainda editaram depoimentos e escreveram peças, acima partilhadas. Em termos profissionais (escrever poesia não é profissão, atenção...), não há nada que me dê mais prazer do que compor uma bela peça. Julgava eu. Muito melhor é ensinar miúdos a fazer o que gostamos de fazer e o que em tempos gostámos de fazer muito, muito bem: explicar-lhes que a imaginação e a criatividade não são inimigas do rigor, pelo contrário; revelar-lhes como se parte para uma boa conversa com um criador, com um artista; demonstrar-lhes que, no chamado jornalismo cultural, o espanto, a curiosidade e a partilha são essenciais — e naturais, porque raramente precisamos de nos esforçar para nos espantarmos com o que os nossos criadores fazem.
Para a semana, partilharemos mais peças, inclusivamente nos dias do festival (23 e 24 de Outubro). Estejam atentos à página do CCB no Facebook, ao YouTube e ao blogue da Fábrica das Artes. Vai ser uma semana de dias cheios e [de] dias em cheio. E de dias que somam as duas coisas. PIM!
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