quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Grandes histórias, mínimas coisas.

Se estou em casa sozinha com o M. e o vejo entretido com brinquedos e livros, aproveito para ligar o computador e responder a mails. Passam-se uns minutos, separo os olhos do ecrã e à minha volta o cenário é o de uma intempérie doméstica. As mais pequenas coisas deixaram-se transferir, impotentes, para os sítios mais improváveis. Aconteceu ontem. Uma pastilha — que ele jura, na sua linguagem miscigenada e pouco fiável, ter encontrado em cima do portátil do P. (como? o que fazia uma pastilha fora da caixa em cima de um computador?...) — a entrar-lhe para a boca e a sair-lhe da boca em segundos. 

- Mãe, qui é ito?! Blergh!

E cospe a pastilha já trincada para cima de mim.



Enquanto apanhava a pastilha e a punha a jeito para a fotografar (o P. tinha que ver a nova conquista), ia fazendo perguntas e dando conselhos. Levanto de novo a cabeça e já ele estava a trincar um pequeno íman que segurava uma fotografia, a abrir a gaveta dos individuais e dos guardanapos, a espalhar tudo pela casa. Estava feliz. Até que a agitação lhe valeu um corte no queixo. Não terá aprendido a lição. Nem eu, que me desdobrava em beijos e conselhos: beijos úteis e conselhos inúteis. Costuma ser ao contrário, no mundo ordenado dos adultos.

Saí passado pouco tempo para jantar em casa de uma amiga. Desci ao Rato a olhar para o chão, coberto de coisas mínimas. Se tivesse dois anos, teria trazido algumas para casa. Coisas mínimas que seriam boas companhias — para a imaginação e para a solidão. Sim: a solidão. Não me venham dizer que a infância não é solitária. Mesmo quando feliz. Uma solidão ágil e segura. Que abre caminho e espaço às coisas mínimas. E às grandes histórias.

Imagem retirada daqui.


Hoje, uma das primeiras coisas (mínimas) que encontrei quando liguei o computador foi a grande e recente história do Serge Bloch. Partilhou-a na sua página do Facebook: podemos espreitar a capa e algumas páginas. La grande histoire d'un petit trait. Talvez o Serge Bloch tenha um M. em casa. Ou talvez tenha mantido intacto o M. que um dia foi. Oh, les petits riens... Que mais importa? PIM! 

Sem comentários:

Enviar um comentário