quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

É então isto para crianças? — Parte IV: O que faltava acontecer.


Falar de espectáculos para a infância e a juventude em Portugal é falar do trabalho da Madalena Victorino, que criou, no CCB, o primeiro espaço nacional "de fruição artística internacional para um público jovem". Foi lá que conheci o trabalho da própria Madalena, assim como o do Fernando Mota, sobre quem escrevi recentemente aqui (e que é o inconfundível responsável pela banda sonora do espectáculo que motiva este post), e o da Aldara Bizarro. 

Todos eles vão passar pelo colóquio É então isto para crianças?, onde a Aldara, num depoimento filmado, partilhará o espectáculo "A preguiça ataca", criado precisamente no seguimento de uma encomenda da Madalena Victorino para o CCB. À mesa com a Madalena estarão sentados o António Jorge Gonçalves (sobre quem tantas vezes já aqui escrevi), a Patrícia Portela e a Susana Menezes, numa conversa moderada pela Clara Caldeira, que contará ainda com outro depoimento, da Maria de Assis Swinnerton, directora do programa Descobrir da FCG.


A segunda mesa do dia 10 de Fevereiro do colóquio
"É então isto para crianças?"


Hoje de manhã, eu e a Clara fomos ao Dona Maria ver "À espera que volte", um projecto educativo do Teatro do Montemuro dirigido à comunidade escolar. Contou-nos a Ana Ascensão, do TNDM II, que a peça foi criada para ser mostrada nas salas de aula das escolas da zona da Serra de Montemuro, uma vez que são poucas as salas de espectáculo dessa região. As salas de aula foram, assim, transformadas numa espécie de nuvem-laboratório, se os cenários se tiverem assemelhado ao que estava hoje montado na sala-estúdio do D. Maria, com duas filas preenchidas por alunos de uma escola lisboeta que misturava meninos e meninas de várias idades, raças e etnias.


Imagem retirada daqui.

Eu e a Clara éramos, pois, duas peças fora do baralho daquela turma que começou por se  juntar no hall do Teatro Nacional para que Piotor, um homem forte e bom que trouxe da Rússia a história de uma gota de água, pudesse recrutar sete crianças para a peça, encenada pela Madalena Victorino (o texto foi criado com Paulo Duarte, que interpreta — maravilhosamente, sublinho — Piotor). 

Naqueles instantes no hall — eu e a Clara sentadas num sofá, os meninos à nossa frente, olhando-nos de vez em quando como quem pergunta "E aquelas duas? Não saem dali? São como o busto do Garrett?!" —, lembrei-me imediatamente não apenas da dimensão humanística do trabalho da Madalena (reforçada depois pela história da peça e pela interpretação do Paulo Duarte, que levanta um menino no ar, que narra com a voz e com o corpo, que — generoso  — integra, inclui, convoca...), mas também do modo como, no seu trabalho, envolve sempre a comunidade, o público, gente de todas as idades e de todos os cantos. Ocorreu-me ainda o título que a Madalena escolheu para o breve texto que sintetiza os aspectos que vai abordar no colóquio "É então isto para crianças?": "Um espectáculo pode ser aquilo que faltava acontecer entre uma criança e um adulto".

"À espera que volte" tornou-nos pares e, por isso, pareceu-me aquilo que faltava acontecer entre os alunos daquela turma e os seus professores; pareceu-me aquilo que faltava acontecer entre aquelas quatro meninas e aqueles três meninos, em 10 minutos transformados nos mais competentes e empenhados "pequenos músicos russos" que alguma vez vi, e aquele actor; pareceu-me aquilo que faltava acontecer entre as pessoas sentadas ali, nas cadeiras da sala-estúdio, e Piotor, o russo que se instalou na nossa memória e desafiou a nossa imaginação. Em suma: pareceu-me aquilo que faltava acontecer na minha manhã. No meu dia. PIM!

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