terça-feira, 22 de abril de 2014

Ter um filho nos dias que correm é uma espécie de manifesto.


Com um sonoro PIM! encerrou Almada Negreiros o Manifesto Anti-Dantas, texto dirigido a quem se opunha aos propósitos e ao programa modernista dos anos 10 do século passado. Dantas estava contra o novo, contra essa nova ordem imaginada e teorizada pelos de Orpheu. Melhor: contra essa nova desordem. O luminoso PIM! de Almada encerra o assunto, mesmo que não seja dotado das possibilidades mágicas de um PLIM!: ao contrário do que pediu Almada - “Morra o Dantas, morra! Pim!” -, o ilustre membro da Academia continuou vivo. O certo é que quem hoje pensa em Dantas pensa, acima de tudo, no Manifesto. Sobre Dantas, nada mais se pôde acrescentar depois do texto de Almada. O homem foi engolido pelo manifesto, que sobreviveu mais saudável, recomendável e eterno do que ele. 
Não me ocorreram, por isso, melhores letras para baptizar um blogue que celebra o novo e que comecei a imaginar quando engravidei - marco de um recomeço na vida de uma pessoa. Devia tê-lo iniciado nesse momento, devia ter então deitado mãos à obra. Porém, naqueles tempos, as minhas duas mãos nem sequer chegavam para o meu recém-nascido, nem mesmo quando se multiplicavam.
Seja como for, à medida que ia descobrindo coisas para partilhar com o meu filho, ia ganhando consciência de que essas mesmas coisas eram partilháveis com amigas e amigos - que queriam ser mães/ pais, que estavam quase a ser mães/ pais, que já eram mães/ pais. Era também com eles que ia comentando tudo o que encontrava de maravilhoso e divertido e tudo o que reencontrava de um modo quase novo: livros, canções, roupas, berços, muda-fraldas, filmes, restaurantes, desenhos… Muitos dos meus amigos continuaram - e continuam - a perguntar-me o que fazer, o que ler, o que vestir aos filhos. Aquilo que gostava mesmo de lhes responder era que apenas ambiciono ensinar o meu filho a detectar e rejeitar os Dantas deste mundo. Os que temem a novidade. Até porque o meu filho foi a novidade mais importante da minha vida. E mais reincidente. Desde que ele nasceu, não há dia sem novidades. E sem a possibilidade renovada da partilha.
Este blogue tem a ver com isso mesmo - com a partilha. E, por isso, com a infância e com a memória. Mas também com o presente, com a noção de que ter um filho hoje é uma forma de manifesto. É uma forma de resistir pelo amor; é uma forma de, faltando-nos “a paz, o pão. Habitação, saúde, educação”, faltando-nos os valores que nos transmitiram e por que lutamos, nunca desaprender o empenho. Não há modo, pois, de escapar ao político, até porque ter um filho nos torna mais atentos ao(s) outro(s). E mais resistentes. Coloca-nos na esfera dessa loucura que é intrinsecamente nossa por a reconhecermos com lucidez.
Acrescento apenas mais uma nota sobre o nome deste blogue. Deu-se o caso feliz de as iniciais dos nomes dos habitantes cá de casa formarem também um sonoro e luminoso PIM. Se as colocarmos segundo a ordem mítica com que, numa certa tradição, se iniciou o mundo: ele, ela, o filho deles. PIM!

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