Mafalda faz 50 anos no dia 29 deste mês. Leio-a desde os meus 7, 8 anos. Aos 9, a minha mãe levou-me à Feira do Livro, como fazia sempre, e ofereceu-me Toda a Mafalda. Foi um dos melhores presentes que recebi na vida. É um dos livros da minha vida. Relendo-o, recordo-me de mim.
Nesse Verão de 1988, comecei a odiar a pobre e tonta da Susaninha. Usava o nome dela como insulto. "És mesmo Susaninha!", gritava às meninas que me irritavam com os seus discursos lamechas sobre casamentos, namorados e pobrezinhos... Ninguém me percebia. Ia para casa. Em bicos de pés, enfiados nos meus Le Coq Sportif, contava ao meu Avô e passávamos o resto do dia a rir.
Nesse Verão de 1988, os meus melhores amigos eram o meu Avô e a Mafalda. E, como explicá-lo?, eu era realmente feliz.
Há uns tempos, escrevi sobre Quino para o Prontuário do Riso (ed. Tinta-da-China).
Há
um cartoon
de Mafalda, a mais popular criação de Quino, em que a insatisfeita
e conscienciosa menina afirma: “Parem o mundo, que eu quero sair”.
O mundo tem sido sempre, com efeito, o ponto de partida de Quino para
os seus desenhos: o mundo que critica sabiamente com humor, mas sem
moral à vista, e que consegue avaliar simultaneamente com ironia e
poesia através até do olhar que lhe deita o grupo de crianças que
povoam o universo da contestatária Mafaldinha.
Exímio
inventor de personagens e lúcido inspector dos males da sociedade,
esse mundo revelado pelo traço e pela palavra deste argentino
nascido Joaquín
Salvador Lavado Tejón é, pois, um lugar onde estamos presos com as
nossas insatisfações, uma espécie de carruagem sem saída num
comboio que nunca cessa de avançar. A
gente (e
recorde-se o álbum Gente
En Su Sitio,
de 1978)
desenhada
por Quino circula em ambientes domésticos e de guerra, ouve e
despreza políticos, enfrenta a morte e o bulício das cidades; é
gente burguesa e gente do campo; gente sem jeito para dizer a verdade
e gente com a verdade à flor da pele; gente controlada e gente pouco
obediente. Difícil é dizer o que fica excluído da crítica
político-social operada por Quino, até porque são raros os
cartoons
do argentino que perderam actualidade.
No
fundo, Quino aprendeu com a vida, que não foi diferente da de muitos
dos que atravessaram o século XX e usaram o cartoon
e a arte de desenhar como armas contra o silenciamento da desordem do
mundo e como forma de resistência aos donos do poder: atravessou
convulsões sociais e guerras, prestou serviço militar, andou a
bater de porta em porta para conseguir emprego e aceitou demasiadas
colaborações para poder pagar contas. Mesmo assim, tinha menos de
vinte anos quando conseguiu vender a sua primeira banda desenhada;
recusa recordar essa história de título Sedalina,
criada para uma loja de sedas. Aos vinte e dois, o semanário Esto
Es publica
a sua primeira tira de humor gráfico, momento que define como sendo
o mais feliz da sua vida. Seguiram-se muitas outras publicações –
argentinas e do mundo – e os livros: é do início de Sessenta o
seu álbum de estreia, Mundo
Quino.
E
Mafalda? Mafalda nasceu em 1964 e também ela circulou por várias
publicações. E pelos livros. A primeira edição esgotou cinco mil
exemplares em dois dias. Desde então, o mundo continua a seguir o
seu curso e a Mafalda que existe em todos nós continua a procurar a
porta de saída. No entanto, com a Mafaldinha de Quino, o absurdo da
existência torna-se um lugar mais confortável, por tão bem
compreendido por aquela criança e por com ela partilhado. É como se
a viagem fosse feita num mundo de cadeirões almofadados – que
chegam para todos, como Mafalda sempre quis. Na verdade, e para se
fazer justiça, Mafalda e Quino.
Lerei o texto ao fim da tarde, no início de mais uma sessão d'Os Espaços em Volta, dedicada desta vez a Mafalda.
Eu e a Filipa Leal coordenamos este ciclo da Casa Fernando Pessoa e moderamos a conversa, hoje com o João Paulo Cotrim, o Luís Afonso e a Raquel Varela. A entrada é livre. Como Mafalda desejaria. E vamos soprar as velas a esta que sempre foi uma das minhas melhores amigas. PIM!
O spot que o P. nos ofereceu para divulgarmos a sessão.
Eu e a Filipa Leal coordenamos este ciclo da Casa Fernando Pessoa e moderamos a conversa, hoje com o João Paulo Cotrim, o Luís Afonso e a Raquel Varela. A entrada é livre. Como Mafalda desejaria. E vamos soprar as velas a esta que sempre foi uma das minhas melhores amigas. PIM!
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