sexta-feira, 18 de julho de 2014

Crescer.

"Não aconteceu nada de especial. Só olhares. Eu andava de skate. Ela olhava. E derretia de paixão."

Os pormenores que ansiosamente aguardava sobre os jogos de amor dos meus sobrinhos estão todos concentrados nestas palavras. De um lado. O do A.. Do outro, o do F., não tem corrido tão bem.

"Chamou-me nojento."


A. e F. na festa do Planeta Tangerina (Casa Independente)
T-shirts Pepe Jeans. Calças e calções H&M.


A beldade das ciências chamou nojento ao meu sobrinho. Não tive outra hipótese: fui obrigada a regressar ao discurso que ontem prometi ultrapassar. 

- Nojento?! Mas essa miúda é parva? É completamente tonta, essa nojentinha.
- Não, Tia. Teve cinco 5 e o resto 4. 
- Ainda se tivesse tido tudo 5...
- O quê?! Ela é super-boa-aluna! Cin-co-cin-cos-e-o-res-to-qua-tro!
- E chamou-te nojento, a nojentinha. Deve ser das que decoram, não das que sabem.
- Talvez. Mas é linda.
- Linda como?
- Como tu. Tem os lábios mais grossos. Com ofensa: é mais gira do que tu.
- Mais gira do que eu?! Destronou-me?! Eu nem a conheço e já a odeio. 

Nem a conheço e já a odeio. "Com ofensa". Agora compreendo o que me disse, há uns anos, o Manuel António Pina, falando-me da casa onde morou durante mais tempo: "Foi aqui que as minhas filhas ficaram maiores e eu e a minha mulher ficámos mais pequenos."

Foi ali, naquele diálogo, que o Francisco ficou maior e eu fiquei mais pequena. Não é, pois, uma questão de centímetros, é uma questão de relevância. Se o nascimento é uma violência, maior violência é crescer. Por ser um processo interminável, detido apenas pela morte; por, apesar de simbolicamente não ter a servi-lo uma imagem tão forte como a do corte do cordão umbilical e o que nisso está implicado (o sangue, a dor...), se arrastar pelo tempo, levando-nos atrás, desprevenidos. São cortes invisíveis, os do crescimento, com sangue e feridas do lado de dentro.

"Mas uma coisa também é certa..."



Onde é que eu fui buscar isto? Aqui:



O primeiro presente de baptizado que o M. recebeu, oferecido pelos Tios Z. e H., foi uma caixa cheia de desenhos da Madalena Matoso. Lá dentro, uma outra forma de contar a história de "Quando eu nasci". E de a relembrar ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche, ao jantar. 






Mais imagens aqui.


Finalmente, com os presentes que ofereceram ao M., vou poder armar-me em crítica multifacetada e espalhar umas estrelas pelo firmamento. Ao resultado desta parceria entre o Planeta Tangerina e a Vista Alegre dou um milhão delas. As razões prendem-se não apenas com a ideia em si, a de conceber este belo serviço, nado e criado na companhia de um belo livro, mas também com o facto de a Vista Alegre ter sabido evoluir sem perder a sua identidade. São notáveis muitas das parcerias que a marca tem estabelecido, capazes, aliás, de revelar como a VA está atenta ao que de melhor se anda a fazer em Portugal. Soma-se a isso, como é evidente, o livro, a história que aqui se conta - em desenhos e palavras. 

                          


Um dos aspectos de que mais gosto no trabalho do Planeta Tangerina prende-se com a simplicidade - essa enorme armadilha onde caem os incautos, os que julgam que, se a palavra e o traço são simples, "isso também eu faço". Não fazem, não. E não fazem porque, neste fazer, está implicado um olhar atento, um olhar que repara no pormenor e nele se fixa para o conseguir transmitir aos outros, para o conseguir partilhar. Sem condescendências. Julgo que esta é a chave da melhor literatura infanto-juvenil. Ou um dos dentes dessa chave. 

Quando eu nasci é bom exemplo do que sustento. É um manual de sentimentos e sentidos, de emoções e sensações, não de evidências, caros incautos. É um manual para a primeira infância, sim, mas também para pais e avós e bisavós, para que eles, agora de bebé ao colo, nunca esqueçam como foi quando eles nasceram. Por isso, é ainda um manual para primos e sobrinhos, para tios e amigos, para todos os que querem estar próximos do milagre da origem, do milagre que é aterrar neste mundo, que é senti-lo pela primeira vez. 

Falei já várias vezes da Madalena Matoso e da Isabel Minhós Martins, autoras desta obra, e, apesar de haver agora muitos nomes a apontar na enorme família em que se tornou o Planeta Tangerina, um deles parece-me imprescindível para aquela casa ser como é, ser o que é: o do Bernardo Carvalho. Sobre os livros do Bernardo escreverei em breve. O que importa agora acrescentar prende-se com a íntima relação estabelecida entre texto e imagem nos livros desta editora, facto para o qual muito contribui o trabalho do Bernardo. Não faz sentido, neste momento, publicar literatura infanto-juvenil se não se colocar em pé de igualdade texto e ilustração, se não se rejeitar a ideia de que basta fazer uns "bonecos com as caras redondas" cujas expressões tentam toscamente traduzir o mesmo que as palavras, colando-se a elas. Os "bonecos" devem por si só ser eloquentes, devem dizer muitas coisas, tantas outras coisas, todas as coisas que cabem na imaginação, devem fitar, também eles, as palavras, devem dar-nos mais - mais possibilidades de leitura, mais possibilidades de olhar o mundo, mais possibilidades de viajar até outro planeta.

Em síntese, é isto:



Ontem na festa do Planeta Tangerina, na Casa Independente, celebraram-se novos livros e os dez anos da editora. Nós trouxemos para casa beijinhos da Madalena.




Declarámo-nos aos nossos amores, montámos borboletas com pedaços de papel, exibimos barrigas, contámos balões, comprámos livros.






 M.: Camisa Zara. Calções Name It na Boozt
Sandálias Bobux na Organii Bebé.


Em suma, eles ficaram um bocadinho maiores. Eu fiquei um bocadinho mais pequena. De que outro modo se explica que o momento alto do meu dia de hoje tenha sido aquele em que dei de caras, no mural da Joana Emídio Marques no Facebook, com estes versos, "apanhados" pelo Vítor Silva Tavares (editor da mítica &etc) a uma criança, "o melhor poema surrealista de sempre", na sua opinião:

gosto do sol
porque ele é tão azulinho, tão azulinho
como um moranguinho

PIM!

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