quarta-feira, 4 de junho de 2014

Dança até chegares ao fim do dia.

Nos tempos em que mandava eu na minha agenda, costumava ir jantar uma vez por mês com três amigas. Éramos cúmplices na degustação de iguarias japonesas, no cumprimento natural do velho "erguer cedo, mesmo que não te tenhas deitado cedo, dá pouca saúde, mas pode fazer uma ideia crescer" e na invenção de "projectos", textos e trabalhinhos afins. Num desses jantares, bebemos saké (em vários, é verdade; porém, esse foi o mais eficaz e apreciado saké) e eu inventei aquilo que, entre nós, se passou a designar como "Dead Combo dance". Os Dead Combo são, pela saúde deles, alheios a tais movimentos de corpo, os quais, pela saúde dos leitores deste blogue, são impossíveis de demonstrar com palavras. Garanto-vos que deviam estar agradecidos. A inesquecível "Elaine dance", marco na história de Seinfeld, ao pé da "Dead Combo dance", é coisa de um amadorismo tal que nem devia ser aqui mencionada. Recordemo-la, no entanto:



Uma das amigas que partilhou comigo o momento emocionante em que veio ao mundo a "Dead Combo dance" enviou-me ontem este vídeo, ao qual chamou "Baby Dead Combo":


Dança contemporânea coreografada e dançada por um bebé mais pequeno que o M.. Já experimentámos cá em casa. E, na esteira de qualquer crítico contemporâneo, para não me comprometer assim tanto e manter a distância de segurança, não posso dar mais de três estrelas ao meu filho. A razão? Explora de modo demasiado intenso, quase gratuito, o movimento pêndulo. A coreografia não evolui a partir do momento em que o M. abre as pernas e vai levantando ligeiramente um pé e depois o outro, oscilando o corpo para a esquerda e para a direita. Dez, vinte segundos disto resultariam num instante luminoso e criativo; dez, vinte minutos disto servem apenas para um pai exausto ou uma mãe exausta poderem fazer uma ligeira sesta no sofá, agradecidos, é certo, e no entanto entediados. Três estrelas, caro M.. Toca a trabalhar, a ver filmes que revelam o que andam a fazer os bebés talentosos por esse mundo fora. 

Há que reconhecer, todavia, que o movimento pêndulo proporciona grandes pensamentos e facilita a associação dos mesmos. Enquanto seguia o M. nas suas movimentações pendulares, ocorreu-me não só o tanto que este rapaz tem que aprender até chegar à sofisticação de uma "Dead Combo dance", como também o belíssimo álbum Dançar nas nuvens, de Vanina Starkoff, editado em Portugal pela Kalandraka.




É a história de uma menina que tem um sonho. E que tem também um adulto ao lado, ou seja, a antítese do sonho.



Felizmente, a menina sabe o que é preciso. Para preservar a infância. E os sonhos:


Eu insisto: leiam este livro. Mesmo que depois queiram regressar à realidade.

Surgiu-me ainda outro álbum nos meus pensamentos, enquanto imitava o bebé-pêndulo: Dança quando chegares ao fim, de Richard Zimler e Bernardo Carvalho, uma edição da Caminho. Procurei-o nas estantes. Também o temos cá em casa. Sei que o temos cá em casa. Não o encontrei. Não o encontro (podem espreitá-lo aqui). Às vezes os livros insistem em mudar de estante, de casa. Por alguma misteriosa razão, costumo encontrá-los, passados meses, na fina ranhura que resolveram deixar vazia por uns dias. Provavelmente, o nosso exemplar do Dança quando chegares ao fim achou por bem afastar-se do ainda rudimentar movimento pendular. Está apenas a ser coerente, pois é livro que partilha este conselho:


 Sendo certo que também recomenda isto:


O que significa que me juntarei sempre ao movimento pendular do M.. Ou às criações da Marta Bernardes, que está hoje na Gulbenkian a dar corpo e movimento a sons e palavras com as suas - suas e do José ValenteFabulosas fábulas da terra de nenhures. Eis o que me contou a Marta sobre esta sua nova aventura pelo desconhecido:

"Fabulosas Fábulas em Terra de Nenhures" é um pequeno momento teatral que mistura a criação de vídeo-animação em tempo real, a partir da manipulação de objectos, com música e sonoplastia criada ao vivo.
A partir de três histórias criadas pelas crianças, é construído um mundo delirante e de enorme plasticidade, de possibilidade insonhada e divertimento: histórias de amizade entre objectos, amores entre criaturas incompatíveis, números extraordinários de circo, encontros na floresta com seres imaginários. Um festim de brincadeira, que é coisa muito séria.

Imagem retirada do FB da Marta.


Reparem bem: "A partir de três histórias criadas pelas crianças, (...) um festim de brincadeira, que é uma coisa muito séria". Hoje, na Gulbenkian. Já começou, aliás. Há sessões ao longo de todo o dia. Façam-se à estrada. A correr. Ou a dançar. PIM!

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