terça-feira, 24 de junho de 2014

tão belo como um sim/ numa sala negativa


No dia em que nasceu o filho mais velho de uns dos nossos melhores amigos, eu e o P. estávamos no Porto com o Manuel António Pina. Fizemos uma festa tão grande que o Pina, depois de ter assinado um livro para o recém-nascido, se pôs a contar histórias e a citar poemas. Sugeriu-me: "Envie aos seus amigos um poema do João Cabral de Melo Neto sobre o nascimento". E pôs-se a dizer de cor "Morte e vida severina".

Eu, obediente (costumo obedecer a crianças e poetas), escrevi um mail aos nossos amigos, dirigido ao nosso novo pequeno amigo, sobrinho do coração: "(...) Aqui vai parte dele [do poema], esperando que um dia o leias tu e possas compreender que, apesar de as palavras serem coisas - são mesmo coisas em que pegamos - maravilhosas, não há nenhuma no mundo capaz de dizer o quão ansiosos estamos por te conhecer, te pegar, ser teus amigos incondicionais (...). E, só te tendo visto numa fotografia, já sabemos que és um bebé:


'(...) tão belo como um sim
numa sala negativa.

(...) tão belo como a soca
que o canavial multiplica.
— Belo porque és uma porta
abrindo-se em mais saídas.
— Belo como a última onda
que o fim do mar sempre adia.
— tão belo como as ondas
em sua adição infinita.

— Belo porque tens do novo
a surpresa e a alegria.
— Belo como a coisa nova
na prateleira até então vazia.
— Como qualquer coisa nova
inaugurando o seu dia.
— Ou como o caderno novo
quando a gente o principia.

— E belo porque com o novo
todo o velho contagias.
— Belo porque corrompes
com sangue novo a anemia.
— Infeccionas a miséria
com vida nova e sadia.
— Com oásis, o deserto,
com ventos, a calmaria.
(...)
E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida.'"



Aprendi, com o Pina, a partilhar este poema com os meus amigos que têm filhos e com os filhos que lhes nascem sempre que pressinto que vem aí gente de "adição infinita", gente a quem serei capaz de obedecer. Hoje, este poema vai para a A.B.P.Q., quatro iniciais a marcar o nome completo de uma menina que vi ontem pela primeira vez numa fotografia, uma menina que pendurou um luminoso "sim" na minha sala negativa. PIM!

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