sexta-feira, 30 de maio de 2014

Querer muito #5.

Que a mãe da criança cá de casa tem um fraquinho por calças sabem apenas os que conhecem a combinação capaz de abrir a caverna de Ali Babá a que a mãe da criança cá de casa chama prosaicamente "o armário das minhas calças". O referido fraquinho encontra provavelmente a sua origem no facto de a mãe da criança cá de casa ter sido maria-rapaz em pequena. Mas essas conclusões deixamos para psicanalistas e filósofos (falámos de caverna, ou seja, de escuridão e de luz). 

O que importa é que na caverna a que prosaicamente a mãe da criança cá de casa chama "o armário do M." consegue ela imaginar penduradas estas calças da Kids On The MoonQue a mãe da criança quer muito. E que, por isso, a criança, que gosta é de andar em pelota, também deve querer muito. Ou menos. Mas ainda assim bastante.


A mãe da criança cá de casa descobriu as calças acima mostradas na Orfeo. Rumou depois para o site da Kids On The Moon e encontrou estas. Que também quer muito.



Às vezes, quando a mãe da criança cá de casa quer muito uma coisa, essa coisa aparece mesmo cá em casa. Aconteceu esta semana. Com estas coisas. Mais belas ainda do que calças. 


O raro História com Reis, Rainhas, Bobos, Bombeiros e Galinhas
de Manuel António Pina, ed. Teatro Pé de Vento.



Na cozinha da noite, de Maurice Sendak, ed. Kalandraka.

(Cá está a prova de que, afinal, há coisas mais bonitas do que um par 
de calças: "E caiu no escuro e livrou-se das roupas".)







Os já antigos Presos, Sobe e desce e Este alce é meu, de Oliver Jeffers
e Achimpa, de Catarina Sobral (todos da Orfeu Negro), sem os quais 
as estantes cá de casa se andavam a sentir como a mãe da 
criança cá de casa se sente quando anda sem calças. 





Os recentes O dia em que os lápis desistiram, de Drew Daywalt e Oliver Jeffers
e Boa viagem, bebé!, de Beatrice Alemagna (ed. Orfeu Negro).




E o ainda mais recente Hoje sinto-me...
de Madalena Moniz (também da Orfeu Negro).



Eis o booktrailer desta última maravilha, abecedário de coisas, sentimentos e sentidos. O que é o mesmo que dizer: abecedário para compor tudo - ou apenas, se preferirem, um só mundo. São vastas as escolhas. Como são ainda mais vastas as pistas oferecidas pelos delicados desenhos da Madalena Moniz. 


Booktrailer de Catarina Sobral.


Amanhã, vamos querer ir ao lançamento deste Hoje sinto-me... É na Feira do Livro, às 16h30, no Pavilhão A18, da Orfeu Negro. Aqui, só devemos regressar no Dia da Criança. Antes da Feira do Livro, vamos passear para a Tapada de Mafra. Onde não há computadores. Nem blogues. Só arvores, bichos, piqueniques e silêncio. 




 !

Desenhos do livro Hoje sinto-me..., de Madalena Moniz.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Nomear.

Bem sei que prometi escrever toda a semana sobre Paris. Hoje seria o dia de espreitar a infância de Robert Mapplethorpe. E talvez ainda possa ser. Porque, na verdade, o que me apetece hoje, graças à partilha que o Luís Quintais fez no Facebook de um artigo do The New York Review of Books, é passar pela América. Ora, o Robert Mapplethorpe é americano, apesar de ter sido em Paris e, antes disso, em Berlim que passei longas horas a ver as suas fotografias.

Mapplethorpe no Grand Palais, Paris.

Mapplethorpe é o desconstrutor por excelência. De expectativas, de caminhos traçados a régua e esquadro. Era um homem livre. Que se movimentava fora das quatro linhas. É certo que, num blogue dedicado a criações para a infância, eu devia era falar de Bob, o Construtor. Mas o pobre e entediante Bob não me intriga; pouco sabe ele da infância, sempre a trabalhar, certo nos seus horários, revelando-se um funcionário orgulhoso no cumprimento da jornada. Para além disso, ainda não fascina o M.. E vamos rezar para que as coisas se mantenham assim. As minhas esperanças aumentam quando o M., em vez de pegar nos Mega Blocks para construir lindas pontes e harmoniosas cidades, os amontoa apenas para os destruir, para os lançar em voos rasgados pelos baixos céus cá de casa, atingindo jarras e molduras e assim os desdobrando em peças fundidas com outros materiais. Ou quando insiste em transformar a garagem dos carrinhos da Imaginarium numa cabana de leão. Ou quando insiste com o Tolo para que experimente novos movimentos, para que experimente pôr-se de pino. Para o M., o tamanho não importa. Nem a função das coisas, o motivo por que foram criadas, o nome com que as fecharam à chave num só propósito.



Leão oferecido pelos primos que vivem na África do Sul. 
É o boneco mais giro do mundo, feito com capulanas.
Brinquedos Imaginarium e Tolo. Calças Phister & Philina na Boozt. T-shirt Zippy.

Essa atitude, característica da infância, mantém-se intacta em muitos artistas. Não é tanto a bolorenta história do condescendente "quem me dera ter a tua idade, sabendo o que sei hoje"; é, sim, aquela "segunda e mais perigosa inocência" nietzschiana que Manuel António Pina recuperou nos seus poemas ("Quem desenterrá o que é preciso esquecer?"), colocando-a em diálogo com o Evangelho de Marcos ("Aquele que quer conservar a vida perdê-la-á"). Neste território - fatal - move-se Mapplethorpe, ele que cresceu em ambiente seguro, que foi um "Catholic boy", como descobri em Paris, uma criança que ia à missa semanalmente e que disso retirou não a moral mas um certo modo de ordenar o seu mundo, de o desorganizar para lhe dar novas regras: "It still shows in how I arrange things. It's always little altars." "Little altars" - lugares de culto, lugares dessa religião sem fé que pode ser a arte. 

Robert Mapplethorpe e Manuel António Pina, os criadores que citei, estão ambos mortos. Ontem, uma das últimas coisas que escrevi, a propósito de uma curta-metragem sobre o Pina que espero um dia conseguir acabar, foi esta frase: "Um poeta só morre no dia em que fecha os olhos o seu último leitor." Hoje, uma das primeiras coisas que li foi este belíssimo epitáfio, estes dois belos epitáfios partilhados pelo Luís Quintais no Facebook. São homenagens escritas pelo poeta Charles Simic a dois dos seus "irmãos": Russell Edson (1935–2014) e Bill Knott (1940–2014).

Li o artigo e fiquei com vontade de suspender tudo o resto - as obrigações, os horários, a vida lá fora - para me pôr a ler mais poemas destes dois autores. Eu, que não sou responsável como o Bob, o Construtor, lidaria bem com esta minha opção. Veremos o que acontecerá daqui em diante. Posso sempre culpar este poema do Bill Knott:

Mother’s List of Names 
My mother’s list of names today I take it in my hand
And I read the places she underlined William and Ann
The others are my brothers and sisters I know
I’m going to see them when I’m fully grown
Yes they’re waiting for me to join em and I will
Just over the top of that great big hill
Lies a green valley where their shouts of joy are fellowing
Save all but one can be seen there next a kin
And a link is missing from their ringarosey dance
Think of the names she wrote down not just by chance
When she learned that a baby inside her was growing small
She placed that list inside the family Bible
Then I was born and she died soon after
And I grew up sinful of questions I could not ask her
I did not know that she had left me the answer
Pressed between the holy pages with the happy laughter
Of John, Rudolph, Frank, Arthur, Paul
Pauline, Martha, Ann, Doris, Susan, you all,
I did not even know you were alive
Till I read the Bible today for the first time in my life
And I found this list of names that might have been my own
You other me’s on the bright side of my moon
Mother and Daddy too have joined you in play
And I am coming to complete the circle of your day
I was a lonely child I never understood that you
Were waiting for me to find the truth and know
And I’ll make this one promise you want me to
I’m goin to continue my Bible study
Till I’m back inside the Body
With you

Quem tiver hoje marcado algum encontro comigo, fica a saber que, se não aparecer, a culpa é do poema. De um poema sobre a infância, escrito lá em baixo, algures onde jaz "uma segunda e mais perigosa inocência". Um poema em que se diz em voz alta o Nome. PIM!

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Perdidos e achados.

Paris começa a transformar-se em memória. Chegámos há três dias e o tanto que já fizemos acrescenta distância à distância a que estamos daquela cidade. Esquecerei entretanto muitas coisas (nomes de ruas, o sítio onde comi aquela sobremesa que julgava inesquecível, o movimento do rapaz que passou por mim de skate e cuja velocidade consegui rudemente fotografar); outras guardarei para sempre. Assim o espero. Um desses casos é a série «Le mystère de l'enfant perdu», de Henri Cartier-Bresson, incluída na exposição patente no Centre Pompidou. Ao contrário dos comentários que ouvi enquanto a visitava, não a achei banal nem pouco surpreendente. O trabalho de um génio, nem quando mal organizado - o que não é de maneira nenhuma o caso -, cai nessa desgraça. E como não gostar de atravessar todo o século XX guiado pela objectiva de Cartier-Bresson? Não entendo as críticas. Talvez seja esta minha mania de, por tanto abraçar o meu pessimismo, conseguir contorná-lo, aprendendo assim a evitar a todo o custo o cinismo. Manias, dizia eu. E, no entanto, a possibilidade da surpresa.

Lettre d'Henri Cartier-Bresson à sa mère, vers 1920
Tinha o fotógrafo uns 12 anos.

Uma das surpresas da exposição encontra-se numa parede forrada por mais de 30 capas da revista Ce Soir. Em todas elas, rostos de crianças. De quem foi criança nos anos 30 do século XX. E os rostos, sempre diferentes, sucedem-se, repetem-se, formando labirintos ou, se de música se tratasse, formando uma lenga-lenga infantil capaz de encantar - ou de entorpecer - "gente crescida". São olhares, sorrisos, esgares, caretas, expressões, gestos de meninos e meninas que formam «Le mystère de l'enfant perdu». E, por baixo deles, um aviso: Les passants qui reconnaissent, sur cette photographie, le portrait de leur enfant, n'auront qu'à se présenter, avec l'enfant et leurs pièces d'identité, à nos bureaux, avant le 31 mars inclus. Ils recevront une somme de 200 francs et leur photographie.





Cartier-Bresson não fotografou realmente nenhum "enfant perdu". Todas as fotos foram tiradas ao acaso, na rua. Traçou um mapa da infância - dos seus possíveis rostos num determinado tempo, num determinado lugar. Inventando crianças perdidas encontrou um caminho possível para a infância, que é também o da disponibilidade e o da curiosidade diante de um estranho. Escusado será falar do risco. E escusado será acrescentar que hoje nada disto seria possível. Ou talvez seja; veja-se o exemplo do incrível projecto Humans of New York, sobre o qual gostava em breve de escrever aqui. De qualquer forma, as regras são outras. E o jogo também.

Tudo isto me conduz ainda a outros caminhos que levam à infância. "Um verso, um rosto, uma tarde outonal algures na infância" - coisas que habitam as crónicas do Manuel António Pina, às quais regressei em Paris por causa de um outro cronista, o Nuno Costa Santos. Hoje, ao fim da tarde, no POVO (Cais do Sodré) juntar-me-ei ao Nuno para conversar sobre o seu novo livro, Vou emigrar para o meu país (ed. Escritório). O Nuno gosta de usar todas as palavras, cultiva-as todas com a mesma dedicação; no seu vocabulário, entram, sem entraves, muitas das que hoje se temem: amor, por exemplo. E coração. Escreve sobre o medo e sobre a insónia; escreve enquanto os filhos brincam ("Vejo, aqui ao lado, no tapete da sala, os meus filhos no regabofe infantil e desejo, enquanto os vejo brincar, que lhes seja permitida essa liberdade maior de guardarem, anos fora, este instinto lúdico, esta vontade de fazer disparates, estes tropeços de criatividade."); escreve com humor; escreve prescindindo, também ele, do cinismo. É um discípulo - e afirmo-o porque ele sente falta de mestres - do Pina e do Assis, do O'Neill e do Drummond. E é uma criança eterna. Por isso, hoje ao fim da tarde, vai ser uma brincadeira de meninos. Até menina entra. Eu mesma. Ou a outra, ainda não sei. Espero que alguém se espante. PIM!

terça-feira, 27 de maio de 2014

É devagar, é devagar, devagar, devagarinho ("se você não acredita você pode tropeçar").

Há aquele samba do Martinho da Vila que, em ritmo acelerado, apela a um certo abrandamento do tempo. Eu não sou de sambas; o M., a avaliar pelo modo como se pôs a abanar a bundinha assim que ouviu este, talvez seja. De qualquer modo, somos ambos de contradições: crescemos em ritmo acelerado (ele está a crescer em ritmo acelerado; eu já cheguei a esse lugar onde se detém o crescimento, e cheguei rapidamente), recorrendo, contudo e amiúde, a estratégias de abrandamento do tempo - as manhãs de mimos na cama, os momentos em que, sentados no sofá, imitamos as gargalhadas um do outro, tentando ser o eco um do outro, os outros instantes em que nos estendemos no chão a olhar para o tecto... Fazemos pausas várias vezes, costume que me devolveu aqueles longos dias das férias grandes em que tinha tempo para ficar uma tarde inteira a andar à roda, à roda, à roda, os braços esticados na horizontal, até o corpo cair na sala de estar da casa dos meus avós. Uma vez, duas vezes, três vezes, cem vezes... Era a minha brincadeira em modo slow (houve outras mais tarde, nas festas da cave em que dançávamos slows com os miúdos giros do prédio até nos passarem a vassoura para as mãos; quando o M. chegar à adolescência, escreverei mais sobre o assunto).

É também devagar que se pede hoje que brinquem as crianças. Até há um movimento, o Slow Toy Movement. Pode ler-se mais sobre ele aqui. E aqui. Gosto dos brinquedos que venceram os prémios para melhores "slow toys" em 2013. Eis o meu preferido dos eleitos nesse universo que recusa o plástico e o barulho: 

Comboio "around the world" Bigjigs Toys

Passando os olhos pelo que trouxe de Paris para o M., confirmo que me ando a portar bem. Não levantam a voz nem abusam do plástico os presentes do meu filho. Talvez apenas as T-shirts da GAP, mas essas, a desrespeitar alguma coisa, seria o Slow Fashion Movement, ou seja, outro departamento da lentidão. Para além disso, não conseguiríamos nunca mais fitar as nossas consciências nos olhos se tivéssemos abandonado este papa-formigas nas ruas solitárias de Paris.

T-shirt GAP Kids

E é óbvio que tivemos que ceder ao mundo dos veículos clássicos. Como abandonar no meio do trânsito parisiense este VW Bus T2 com prancha de surf? 




Carrinho Welly. Casaco de malha Zara
Jeans Levi's. Ténis Bobux na Organii Bebé.


Tirando isso, fomos perfeitos na nossa lentidão. Livros e mais livros. Que agora lemos e vemos página a página. Desenho a desenho. Palavra a palavra. E com os quais brincamos.





The Meditating Cat - A Zen Colouring Book; ed. Tate (Tenho esperança de que seja uma preciosa ajuda durante as birras...)




Un Abécédaire, de Nelly Blumenthal (edição do Centre Pompidou; com imagens de obras do acervo do museu)


Une Animalerie, de Nelly Blumenthal (edição do Centre Pompidou; com imagens de obras do acervo do museu)



E, como eu tinha prometido às estantes cá de casa, a Up Kids com desenhos da Catarina Sobral



Com brinde e tudo: a caixinha de lápis da TAP. Ai, a maravilha de um brinde; e esse indizível conforto que é recebê-lo a não sei quantos mil metros de altitude. PIM!

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Paris dos Pequenitos III. O regresso.

"I am unpacking (...)". Regresso ao texto com que parti. Que é como quem diz: regresso a casa -  aos meus livros, à minha almofada e, acima de tudo, aos beijos e às gargalhadas do M.. Mal aterrámos, liguei à minha mãe para saber onde andavam. Estava barulho do outro lado da linha: "Onde estão?". A minha mãe respondeu: "Estamos a votar." O M. nem sequer sabe o que é votar, apesar de já saber escolher; ontem foi duas vezes às urnas: uma com a Avó, outra com o Pai e com a Mãe, que chegaram a Lisboa a tempo - de votar, não de evitar todas aquelas desgraças... Sobre isso não falarei aqui; aqui partilho as boas surpresas. Como a que me fez ontem a minha mãe: levou o M. ao aeroporto e estavam ambos à nossa espera. Uma festa, com o M. a saltar de colo em colo, anunciando ao mundo: "Mina Mamã, mi Papá!". Em França, celebrou-se ontem o Dia da Mãe. Parece que a minha adivinhou. Trouxe-nos a casa, poupando-nos mais esperas em mais filas. Chegámos cansados de Paris. 




De corações intactos, mas cansados.



Será ridículo - como uma carta de amor - discordar dos que têm a certeza de que Paris é uma das mais bonitas cidades do mundo. No entanto, Paris consome quem não tem a sua medida, quem não tem a sua escala. Por isso, Paris consumiu-nos. É tão ridiculamente bela quanto é ridiculamente cara. E ridiculamente cansativa. Não lhe falta nada: tem os melhores museus, as melhores exposições, as melhores livrarias, os melhores vinhos, os melhores doces, os melhores restaurantes, as melhores lojas, os melhores passeios, as melhores vistas, os melhores monumentos, os melhores jardins... Mas tem demasiadas pessoas, multidões sequiosas de consumo rápido: dos melhores museus, das melhores exposições, das melhores livrarias, dos melhores vinhos, dos melhores doces, dos melhores restaurantes, das melhores lojas, dos melhores passeios, das melhores vistas, dos melhores monumentos, dos melhores jardins... 

Há, contudo, dentro dessa Paris, outra cidade que é possível visitar e por onde é possível circular. Desde que seja a pé. Ou de bicicleta (mas chovia). Ou de metro. O trânsito parisiense é um inferno tão grande que fiquei com saudades do túnel do Campo Pequeno à hora de ponta. É possível, por exemplo, ir ao Centre Pompidou e ver tranquilamente as exposições. Ou ao Grand Palais. É também possível deambular pelos bairros de Marais e do Canal de Saint Martin, onde belas e numerosas famílias se passeiam, mãe a empurrar carrinho com recém-nascido, pai com um filho ao colo e outro pela mão, filhos mais velhos à frente, de skate e trotinete. É ali que se desenrola, em modo blasé, a novíssima vie en rose... Nesses bairros, há livrarias onde nos deixam manusear livros página a página, onde os vinhos são da casa e são bons, onde os doces, com ingredientes bio, nos sabem pela vida, onde jovens designers vendem as suas roupas em "boutiques ephémères" (tive a sorte - e o P. o azar - de apanhar esta) e "concept stores", etcétera, etcétera...

Recordando os dias em Paris, parece-me que não houve, nesses bairros, um único sítio onde não tenhamos visto crianças. Porque há parques e zonas com pouco trânsito, sim; e porque há lojas como as que descrevi aqui. A essas somam-se outras. Como a insuperável Bonton, de onde não queria sair: salas e mais salas cheias de pequenas maravilhas.
















    

   





Enquanto isso, nas dantescas Galeries Lafayette, onde passámos duas horas aterrorizantes (é mesmo verdade: queríamos comprar T-shirts da GAP para os miúdos), filas e filas de chineses davam a volta aos quarteirões. Ponto de partida: a Chanel, a Hermès e a Longchamp. Coisa semelhante, só em Macau. Cada consumidor tinha em cada braço duas ou três carteiras penduradas. E todos os consumidores se empurravam uns aos outros para chegarem a mais duas ou três. Iam-se embrulhando, pelo meio, em lenços de seda. Pisavam-se para pagarem depressa, mais depressa, cada vez mais depressa, e poderem seguir ainda mais depressa para o próximo balcão. Louis Vuitton, cuidado: eles dirigiam-se para aí e estavam a comer McDonald's. 

Regresso agora ao unpacking. Partilharei amanhã o que nos saiu dos bolsos para nos caber nas malas. Partilharei depois o que aprendi sobre Cartier-Bresson e a infância. E até sobre a infância de Mapplethorpe. Será mais uma semana parisiense. Afinal, com amores e ódios, quem, de entre os que lá estiveram, deixou realmente Paris? PIM!