quinta-feira, 15 de maio de 2014

Uma carta para a Mamã.

Querida Mamã,

Depois da derrota de ontem do nosso Benfica, que tantas palavras novas me fez conquistar e abraçar com carinho,

(espera agora pela minha adolescência para veres como a memória nem sempre nos atraiçoa)

parece-me sensato que largues por uns segundos o Herberto 

(não tenho idade para isto, Mamã, "a morte como rompendo uma palavra através da porta de uma nova palavra", não tenho idade para ouvir isto e repetir "porta" como se estivesse realmente a ouvir e a passar pela porta de uma nova palavra, não tenho idade, ouviste, querida Mamã?) 

e esses outros poetas do Gelo com quem tens andado a passar mais tempo do que o razoável e ponhas a tocar outra coisa que não o Malcolm Middleton 



(ainda acreditas no amor, não acreditas, Mamã?, já te vi grafá-lo com maiúscula e passas o tempo a dar-nos beijos, suspeito de que os beijos têm muito a ver com o amor, mas esperemos então pela minha adolescência, esperemos)

e os Talk Talk 



(pensava que isto já te tinha passado e só porque os teus amigos do Facebook partilham coisas destas não tens que cair de novo na obsessão, percebes, Mamã?, tens a certeza de que estes teus amigos do Facebook são boas companhias?, Mamã, quem são as famílias deles?, para que jardins vão brincar ao fim da tarde?, o que fazem os pais deles?, ainda saem à noite até às quinhentas?, vê lá bem isso, Mamã, confirma, só quero o teu bem, não é por mal)




Mamã, não é saudável ter tão gigantesco fraquinho pelo Rust, pessimista refinado, como não é saudável ouvir tantas e tantas e tantas vezes as mesmas canções, sobretudo quando não há relação aparente entre elas para além de alguns temas e motivos que me preocupam que estejam entre os teus temas e motivos. Andar a saltitar desse modo entre estilos e géneros só faz sentido na moda. E mesmo assim. 

(Em breve, conversaremos sobre a tua colecção de sapatos.) 

Bem sei que a coerência não me parece ainda uma coisa sensata. 

(Já reparaste certamente nas minhas birras, naqueles ataques de choro seguidos por ataques de riso seguidos por ataques de atirar coisas ao ar seguidos por ataques de beijos seguidos por ataques de mordidelas seguidos por ataques de festinhas seguidos por uma sesta de três horas.)

Apenas me chegou aos ouvidos que és adulta e que os adultos prezam a coerência. Por mim, não tem problema, eu só quero o teu bem, Mamã, podes ser incoerente.

(E ter uns quantos guilty pleasures, sim, já te apanhei a ouvir a banda sonora do Dirty Dancing, safaste-te porque está lá o Solomon Burke e por saberes as letras de cor, é tão ouvir-te cantar, Mamã, o Papá não tem razão nenhuma quando diz que soas pior que a Britney.)

Eu só queria mesmo que me ajudasses aqui com a aparelhagem. 

Pijama Smafolk na Favourite Things

(Isso de tu e o Papá não me deixarem mexer nos comandos leva a situações embaraçosas: faz algum sentido um bebé de um ano e meio não saber mexer nos electrodomésticos da casa? Faz algum sentido um bebé de um ano e meio não saber desbloquear um iPhone? Não faz, Mamã. Se tenho idade para Herberto, tenho idade para isso. Confima com os especialistas, por favor, querida Mamã.)


Só queria mesmo ajuda para poder arrastar o puff ali para a frente e instalar-me a ouvir o Variações. Podes pôr o disco dos Humanos? Pode ser, Mamã? 



Pijama Smafolk na Favourite Things. Pantufas Sho Shoos.




Boa. Obrigado. 
Só mais uma coisa, Mamã:

(e que em nada isto que vou dizer prejudique a tua incoerência, gosto que sejas assim como eu)

isto não é um post sobre criações para a infância. Relê-o com atenção, Mamã. Já está? Tenho razão?

Vá, não te preocupes, Mamã, deixa a secretária. Dá-me a mão. 




Vamos cantar, trocar as letras às canções, és "a frescura da minha sede", ando "contigo na minha mão", pintas "a boca de rosa e verde", és "o gelado do meu Verão". 



E agora danças comigo? Como se já fosse Verão.


Um beijo do teu M.

2 comentários:

  1. Até sou uma avó muito presente. Mas, com o blogue da Inês, fico bem mais perto destes momentos maravilhosos do meu neto, pois não é possível acompanhá-los todos, apesar dos telefonemas, das sms e dos mails a contar-me tudo. Para além da qualidade da escrita (os meus amigos e familiares sabem que nunca fui de (falsas) modéstias em relação às minhas filhas, assumi sempre que acho que tive muita sorte com as filhas que tenho - e cá vai uma das frases que repito vezes sem conta: Que bom, Inês, ter-te), é uma delícia ler este blogue. Como também repito vezes sem conta, que maravilha ver uma criança crescer. Por isso, penso que qualquer leitor gostará de acompanhar o PIM! Posso jurar que não se trata de exagerado orgulho de mãe. Apesar da falta de modéstia, tento sempre ser objectiva e crítica. Só posso dizer, Filha: Excelente!

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    1. Agora vou ter que fazer uma tatuagem a dizer "Amor de Mãe" <3

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