segunda-feira, 26 de maio de 2014

Paris dos Pequenitos III. O regresso.

"I am unpacking (...)". Regresso ao texto com que parti. Que é como quem diz: regresso a casa -  aos meus livros, à minha almofada e, acima de tudo, aos beijos e às gargalhadas do M.. Mal aterrámos, liguei à minha mãe para saber onde andavam. Estava barulho do outro lado da linha: "Onde estão?". A minha mãe respondeu: "Estamos a votar." O M. nem sequer sabe o que é votar, apesar de já saber escolher; ontem foi duas vezes às urnas: uma com a Avó, outra com o Pai e com a Mãe, que chegaram a Lisboa a tempo - de votar, não de evitar todas aquelas desgraças... Sobre isso não falarei aqui; aqui partilho as boas surpresas. Como a que me fez ontem a minha mãe: levou o M. ao aeroporto e estavam ambos à nossa espera. Uma festa, com o M. a saltar de colo em colo, anunciando ao mundo: "Mina Mamã, mi Papá!". Em França, celebrou-se ontem o Dia da Mãe. Parece que a minha adivinhou. Trouxe-nos a casa, poupando-nos mais esperas em mais filas. Chegámos cansados de Paris. 




De corações intactos, mas cansados.



Será ridículo - como uma carta de amor - discordar dos que têm a certeza de que Paris é uma das mais bonitas cidades do mundo. No entanto, Paris consome quem não tem a sua medida, quem não tem a sua escala. Por isso, Paris consumiu-nos. É tão ridiculamente bela quanto é ridiculamente cara. E ridiculamente cansativa. Não lhe falta nada: tem os melhores museus, as melhores exposições, as melhores livrarias, os melhores vinhos, os melhores doces, os melhores restaurantes, as melhores lojas, os melhores passeios, as melhores vistas, os melhores monumentos, os melhores jardins... Mas tem demasiadas pessoas, multidões sequiosas de consumo rápido: dos melhores museus, das melhores exposições, das melhores livrarias, dos melhores vinhos, dos melhores doces, dos melhores restaurantes, das melhores lojas, dos melhores passeios, das melhores vistas, dos melhores monumentos, dos melhores jardins... 

Há, contudo, dentro dessa Paris, outra cidade que é possível visitar e por onde é possível circular. Desde que seja a pé. Ou de bicicleta (mas chovia). Ou de metro. O trânsito parisiense é um inferno tão grande que fiquei com saudades do túnel do Campo Pequeno à hora de ponta. É possível, por exemplo, ir ao Centre Pompidou e ver tranquilamente as exposições. Ou ao Grand Palais. É também possível deambular pelos bairros de Marais e do Canal de Saint Martin, onde belas e numerosas famílias se passeiam, mãe a empurrar carrinho com recém-nascido, pai com um filho ao colo e outro pela mão, filhos mais velhos à frente, de skate e trotinete. É ali que se desenrola, em modo blasé, a novíssima vie en rose... Nesses bairros, há livrarias onde nos deixam manusear livros página a página, onde os vinhos são da casa e são bons, onde os doces, com ingredientes bio, nos sabem pela vida, onde jovens designers vendem as suas roupas em "boutiques ephémères" (tive a sorte - e o P. o azar - de apanhar esta) e "concept stores", etcétera, etcétera...

Recordando os dias em Paris, parece-me que não houve, nesses bairros, um único sítio onde não tenhamos visto crianças. Porque há parques e zonas com pouco trânsito, sim; e porque há lojas como as que descrevi aqui. A essas somam-se outras. Como a insuperável Bonton, de onde não queria sair: salas e mais salas cheias de pequenas maravilhas.
















    

   





Enquanto isso, nas dantescas Galeries Lafayette, onde passámos duas horas aterrorizantes (é mesmo verdade: queríamos comprar T-shirts da GAP para os miúdos), filas e filas de chineses davam a volta aos quarteirões. Ponto de partida: a Chanel, a Hermès e a Longchamp. Coisa semelhante, só em Macau. Cada consumidor tinha em cada braço duas ou três carteiras penduradas. E todos os consumidores se empurravam uns aos outros para chegarem a mais duas ou três. Iam-se embrulhando, pelo meio, em lenços de seda. Pisavam-se para pagarem depressa, mais depressa, cada vez mais depressa, e poderem seguir ainda mais depressa para o próximo balcão. Louis Vuitton, cuidado: eles dirigiam-se para aí e estavam a comer McDonald's. 

Regresso agora ao unpacking. Partilharei amanhã o que nos saiu dos bolsos para nos caber nas malas. Partilharei depois o que aprendi sobre Cartier-Bresson e a infância. E até sobre a infância de Mapplethorpe. Será mais uma semana parisiense. Afinal, com amores e ódios, quem, de entre os que lá estiveram, deixou realmente Paris? PIM!

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