quinta-feira, 8 de maio de 2014

Querer muito #3

Há livros que demoram muito tempo a ler. Não por sermos lentos ou preguiçosos. Nem sequer por termos muito sono e ser tarde e o livro adormecer connosco, amparando os óculos, já com as hastes tortas de tantas noites passadas a dormir no meio dos livros. A razão é outra: esses livros têm demasiadas frases que merecem ser sublinhadas e copiadas para um caderninho à parte, um caderninho minúsculo que iremos abrir daqui a umas décadas, apercebendo-nos então de que sabemos coisas que não sabíamos que já soubemos. 




Hoje tudo se complica: não só apontamos a frase no caderninho, como a fotografamos para a partilharmos no Facebook, fingindo que acreditamos que a rede social auxilia a memória, que é uma fiel depositária da nossa identidade, e não um registo de coisas efémeras, uma  descendente de Cronos, exactamente como uma notícia ou uma crónica de jornal. (Ou um post de um blogue...) Mas, enfim, lá continuamos a anotar a frase no caderninho, a ligar a um amigo para lha dizer em voz alta, a mandar um sms à mãe (se todas as mães forem como a minha, que ouve sempre, vê sempre, está sempre, acolhe sempre), a tirar a fotografia, a partilhá-la no Facebook, a esperar os likes, a esperar que mais alguém a anote num caderninho que irá abrir daqui a uns anos surpreendendo-se com aquele ou aquela que um dia foi. 

Eu, como se nota, faço tudo isso, passo insistente e passeio-me ociosa por todos os registos, tento em vão resistir ao tempo. Talvez seja esse o motivo por que escrevo. E por que leio. 

Estou agora a reler a História Natural do Futebol, do Álvaro Magalhães (ed. Assírio & Alvim). Demoro-me em várias frases. Uma delas diz-me: "Pontapear algo que lhe surge no caminho é um dos gestos mais naturais do homem.". 




Anoto-a no caderninho, fotografo o que consigo dela e começo a pensar no M., na sua obsessão por bolas, no modo como dá pontapés em todas as bolas com que se cruza, nas vezes que repete bem alto a palavra "bola!", uma das que aprendeu mais depressa, nas vezes que já ouvi os velhotes do Jardim da Estrela fazer futurologia "Chuta com o esquerdo?! Ah, vai ser futebolista de certeza! Dos bons!", na insistência com que digo ao M. que aquele bicho no livro é uma joaninha e não uma bola, muitas bolas, enquanto ele me vence, apontando para as pintas da joaninha, uma por uma, e repetindo duas vezes por cada pinta apontada "bola! bola!". 

Fomos recentemente ao Estádio da Luz comprar um bilhete para o jogo em que nos tornámos campeões. Em que o Benfica se tornou campeão. Nós, portanto. O M. entrou na loja e agarrou todas as bolas que conseguiu. Temos, por isso, muitas bolas em casa: uma, da Imaginarium, herdada dos primos; outra do IKEA, herdada não se sabe de quem; outra que foi brinde do McDonald's e pela qual não sou de certeza responsável; as pequenas bolas de picos do pilates; a bola com água dentro oferecida por uma amiga; a bola saltitona com tubarão dentro, oferecida pela Tia F. no primeiro passeio pelo Jardim Zoológico de Lisboa; a mini-bola roxa vinda não se sabe de onde... 




E a bola "Brazuca", de seu nome - a que nos acompanha no jardim e que não sai do carro.

Camisola e calças H&M. Corta-vento Pré-Natal.

Em breve, esperamos ter também cá em casa esta, que queremos muito:




Queremos muito, muito. Muito. O Benfica merece. E nós também, que estamos sempre em campo, a jogar. Sendo que o que eu desejo mesmo é que o M., em campo há 18 meses, seja feliz nos seus jogos ("Ainda assim, prefiro ganhar", lê-se no livro Axiomática Futebolística, do poeta Tó Carlos, ed. Tea For One). E que saiba ir pontapeando o que lhe surgir no caminho. Para bem longe, se for o caso. Ou para perto, se o caso implicar apenas a não desistência, a insistência. PIM! 

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