terça-feira, 6 de maio de 2014

Prémios para que vos quero.

Vencida a febre e, por isso, ligeiramente mais lúcida, dedico-me ao que devia ter escrito ontem ou no domingo, dia em que, entre mimos, presentes do Dia da Mãe e os primeiros delírios febris, me chegaram notícias de que foram bem entregues alguns prémios (coisa que merece ser assinalada pela raridade com que acontece, mas isso seria conversa para outro blogue).

Houve, no IndieLisboa, o Prémio IndieJúnior Árvore da Vida, atribuído a Rabbit and Deer, de Péter Vácz.


Trailer aqui



Houve a atribuição do Prémio Bissaya Barreto da Literatura para a Infância 2014 ao Pequeno Livro das Coisas, de João Pedro Mésseder e Rachel Caiano (ed. Caminho), sobre o qual fizemos em tempos uma peça para o Diário Câmara Clara. Escreveu então a Filipa Leal, num texto que juntava vários livros: "E se tiver à mão um capacete de soldado, note que o objecto 'só é bom quando servir/ de vaso de flor,/ malga de sopa/ ou regador.' Quem avisa, seu amigo é... João Pedro Mésseder, que com Rachel Caiano atravessa o «Pequeno Livro das Coisas». Coisas como sombras, como pentes, como fantasmas ou borrachas: 'Como um bombeiro/ de apagar cinza em vez de fogos,/ a borracha apaga, apaga. / E quanto mais apaga/ mais a si mesma se apaga -/ até ser nada.'"





E houve ainda um outro prémio...


Eu já estava com um pé na cama e nos 38ºC, quando, depois do almoço, o Álvaro Magalhães me enviou uma mensagem em que partilhava a atribuição do Prémio Autores SPA 2014 para melhor livro infanto-juvenil ao volume O Senhor Pina.

Tenho dificuldade em escrever sobre O Senhor Pina. Porque O Senhor Pina é o Manuel António Pina, amigo do Álvaro Magalhães, que escreveu o livro, e do Luiz Darocha, que o ilustrou, mas também meu amigo - um amigo que começou por sê-lo sem ambos o sabermos; que, nesse exacto momento em que me tornei leitora da sua poesia, começou por me dar a mão sem saber que o fazia; um amigo que se transformou num dos motivos pelos quais o meu filho tem o nome por que o chamamos e por que responde: Manuel.

Quando o Manuel António Pina morreu, em Outubro de 2012, escrevi-lhe uma carta de despedida. Faltava um mês para o M. nascer e eu não sabia o que fazer com o que sentia e com as muitas palavras, com todas as palavras, que me visitavam durante o sono, forçando-me a dizê-las em voz alta. E escrevi então essa tal carta de revolta e de tristeza, mas acima de tudo de aprendizagem, de amor e de amizade. Transcrevo essas passagens, as da aprendizagem, do amor e da amizade, as que revelam como nos rostos dos nossos amigos encontramos também os nossos - os nossos rostos, os nossos nomes, as nossas identidades. 

(...) Serei certamente ainda aquela que aprendeu consigo que a amizade é a forma mais desprendida de amor; serei certamente ainda aquela que aprendeu consigo que "Primeiro sabem-se as respostas, as perguntas vêm depois", que os poemas são escritos nos próprios poemas, que não basta escrever poemas, é preciso estar disposto a defendê-los, como sustentava Yevtushenko. Serei certamente ainda essa pessoa que passeou pelo Porto consigo, que, durante várias madrugadas, esqueceu o sono para poder ouvi-lo, que chorou consigo a morte dos gatos. (...) Quero acreditar que a morte, tal como a poesia, é essa passagem para o que não se vê (julgo que estou a citá-lo de novo). "Onde, porém?" (agora, sim, cito-o). Onde poderei um dia reencontrá-lo? "Em que lugares reais?" Na sua poesia, sem dúvida. Só que eu preciso disso: de um lugar real onde possa reencontrá-lo. (...) Continuarei à espera dos "lugares reais", para além dos versos. (...) Sei que as minhas palavras, a minha memória, voltarão eternamente a si, meu Amigo. No último dia em que nos vimos, o Manuel deu-me um beijinho na barriga, não sabendo ainda que estava a dar um beijinho a um outro Manuel mais pequeno. Eu desejo hoje, depois da sua morte, que o meu filho possa ser um pouco como o Manuel António Pina.


Em Outubro de 2012, o M. não tinha ainda nascido. Nasceu dias depois. E meses depois, o Álvaro Magalhães enviou-me o texto d'O Senhor Pina. Li-o e reli-o ao longo de um dia inteiro, entre as inúmeras tarefas de uma mãe recente. Ali estava o Pina, que afinal, como eu bem sabia, nunca tinha partido. E ali estava a melhor forma de eu apresentar ao M. o homem que, não sendo seu avô, nos pediu um dia - a mim e ao P. - para sê-lo. E é, se acreditarmos nesta história que encontrei agora, pesquisando os mails que troquei com o Álvaro a propósito d'O Senhor Pina: garantiu-me em Setembro do ano passado o meu sobrinho A., de 7 anos, que há mesmo um sítio onde nos vamos todos encontrar e que quem morreu é que está lá à nossa espera, com muitas saudades. No fundo, para o A., o outro lado é uma espécie de reflexo deste lado de cá. Não tendo ele ainda medo da morte e sendo muito dado a dramas e a mimos, terminou as suas reflexões do seguinte modo: "É claro que, se tu morresses, Tia, eu ia ter que espetar uma faca na cabeça para ir ter contigo a esse sítio imediatamente". Isto é sinistro e maravilhoso ao mesmo tempo. E fez-me lembrar o Pina, que gostava de imaginar o mundo do lado que não se vê e que se ria a bom rir das coisas sérias.

Aliás, na epígrafe d'O Senhor Pina cita-se um verso d'O Inventão: "As coisas sérias que cómicas são". 




É uma advertência ao leitor desprevenido, como é óbvio, e simultaneamente o registo da impressão digital do Bilhete de Identidade d'O Senhor Pina, tão maravilhosamente coincidente com a desse outro Pina, o Manuel António. Ambos habitam este livro do Álvaro Magalhães - alguém tão próximo do Pina que lhe conhecia de cor os ditos, as expressões e as histórias; os horários (estivemos sempre todos algures à espera do Pina - e continuamos; ou então, a avaliar pelo que afirma o meu sobrinho A., ele é que agora está lá, do outro lado, à nossa espera), as manias, as palavras em que tropeçava. E os amores, como o que sentia pelo espantoso Ursinho Puff. Ursinho Puff, sim, Joanica-Puff. Em português, na tradução de Manuel Grangeio Crespo. O indispensável Joanica-Puff, como o Pina e o Álvaro gostam de lhe chamar. E eu também. Isso do Winnie the Pooh é para quem conhece o urso na era Disney. Nós conhecêmo-lo daqui:


Puff e os seus amigos, A. A. Milne, ed. Relógio d'Água

Confesso que, depois de uns dias em Macau, em Setembro do ano passado, cedi ao Puff da Disney, mais roliço e vestido do que este, desenhado por Shepard. E cedi porque estava pela primeira vez sem o M., num sítio longe do meu mundo, da minha Floresta dos Cem Acres, demasiado sozinha com os meus Pensamentos e com Cantiga Nenhuma que me permitisse partilhá-los. No dia em que regressei, a tentar gastar todo o dinheiro oriental que me restava nos bolsos, entrei numa loja do aeroporto de Hong Kong e lá estava ele, numa prateleira, também sozinho. Mal vi aquele Puff, tive um Pensamento Feliz e trouxe-o para o M.. Correu bem. Adoram-se. Com espanto.



Macacão Moonkids comprado na Boozt


Corrigi esta minha falha ou cedência na primeira festa de anos do Manel. Encomendei o bolo à Ana Rita, a quem só tinha enviado um desenho e que fez exactamente o que pretendíamos: um Joanica-Puff e não um Winnie the Pooh.




Difícil foi comer o Puff sem sentimentos de culpa. Também por isso o Pina, não estando já deste Lado da Floresta, esteve sentado à nossa mesa. E soprou a vela ao M..

Lembro-me de ter dito ao Álvaro (Magalhães) que o livro, O Senhor Pina, me tinha deixado tranquila. Considero-o uma Coisa Muito Útil Para Matar Saudades. E ainda por cima é literatura. Melhor: poesia. Para quem não conheceu o Pina, será uma Coisa Tão Útil Como Uma Boa História, Como Um Tesouro. É com histórias destas que eu desejo que o M. e os meus sobrinhos cresçam. 

No dia em que recebemos o livro da Assírio & Alvim, tirei esta fotografia com o M.. Estamos de mãos dadas com o Pina e com o Puff. E com o Álvaro e o Luiz. É assim que tratamos os amigos. PIM!






2 comentários:

  1. Liiiinnndooooo!!!
    É essa uma das tuas raras capacidades: a de amares e seres amiga incondicionalmente! Que bom! Quem é assim, tem de ser feliz e faz o(s) outro(s) feliz(es). Isto para lá da escrita... Um beijo, querida.

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